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Delito de Opinião

Convidado: CARLOS FARIA

Pedro Correia, 14.08.17

 

Por uma comunicação social local viável e isenta: o caso açoriano

 

Quem lê a imprensa açoriana verifica que as notícias que envolvem o executivo regional possuem quase invariavelmente como fonte o “GaCS”, o acrónimo de “Gabinete de Apoio à Comunicação Social”, a agência noticiosa do Governo dos Açores.

Em princípio nada há de mal num gabinete do género, todavia, ao lermos a mesma notícia em diferentes órgãos de comunicação social logo se descobre que o GaCS não é apenas a fonte da notícia, é também o autor do texto, pois este, por norma, nem varia entre jornais. A partir daqui, o que se deveria ler como uma informação isenta mais não é que o discurso oficial do Governo sobre as matérias em questão. Escusado será dizer que, mesmo na eventualidade de ser redigido por um jornalista, não é a mesma coisa o tratamento noticioso que resulta de uma redacção de jornal face ao que sai directamente dos assessores de imprensa dos gabinetes políticos e distribuído pelo serviço do executivo que tem a função de garantir a divulgação da estratégia comunicacional do Governo. Mas é isto que é replicado ipsis verbis por grande parte dos meios de comunicação social por quase toda uma região sob a alçada desse mesmo Governo.

Num instante, um Serviço Público de apoio à comunicação social transforma-se num Departamento de Propaganda do Governo e pago com os impostos dos destinatários.

 

Pode-se dizer que, por si só, este GaCS não compromete a isenção da comunicação social, pois as notícias por ele veiculadas não são obrigatoriamente publicadas pelos jornais regionais e muito menos se impõe que o sejam na íntegra.

Em teoria é assim, mas quando se teve a experiência das dificuldades por que passam estes órgãos locais situados em ilhas com escassas dezenas de milhares de habitantes facilmente se sente como se pode coagir a liberdade de imprensa com meios legais.

Financeiramente a generalidade destes jornais são deficitários, não só pela escassez de vendas face um reduzido público-alvo, que reduz receitas de publicidade que os suportem, mas também pela impossibilidade de alargar o universo de leitores, pois a descontinuidade geográfica levanta uma barreira psicológica que impede à imprensa escrita uma identidade arquipelágica para além da ilha-sede. Não conheço nenhum jornal sem o “rótulo da ilha” onde está a sua redacção e direcção.

 

Cidade_da_Horta,_vista_parcial_do_cimo_do_Miradour

 

Esta realidade socioeconómica leva a que muitos dos jornais insulares apenas sobrevivam à sombra dos subsídios do mesmo Governo que lhes fornece grande parte das notícias mais impactantes para o seu público, o que é assegurado através de uma estratégia dita transparente de contratos-programa de apoio à comunicação social.

Apesar do atrás referido, isto leva à agudização da dependência e da subserviência dos jornais ao poder político, não assumida na prática, mas fácil de constatar. Os receios de atrasos nos apoios são uma arma que pesa, e muito, sobre veleidades de se investigar e informar de forma diferente ao do conteúdo do comunicado distribuído pelo GaCS. Lembro-me muito bem do sufoco financeiro que foi pertencer à direcção de uma cooperativa detentora de um semanário e da sensação que as justificações dos atrasos de cumprimento dos acordos de financiamento tinham como função dobrar pretensas liberdades de imprensa. Nestes casos, a psicologia do medo pesa muito na decisão.

 

Nunca vi coarctada a presença em jornais de artigos de opinião de pessoas dos mais variados quadrantes políticos e sociais, mas estes têm sempre um rótulo de enviesamento individual e por isso sem a força da notícia isenta, mas na prática muitas destas são produzidas nos gabinetes do poder e só uma certa maturidade permite apreender esta realidade.

Ultimamente tenho assistido a representantes do poder a criticar em artigos de opinião editoriais de jornais locais que tinham uma análise crítica a situações convenientemente explicadas pela informação oficial, outro sinal que soa a ameaça de quem subsidia o mensageiro.

Na internet têm surgido toda a espécie de sites que pretendem ser noticiosos, num espaço caótico sem controlo e livre de qualquer regra ética, mas será esta a alternativa que resta?

 

Está assim em causa a sobrevivência da livre comunicação social nos meios mais remotos, neste artigo o exemplo insular, mas é sempre algo que deveria preocupar e merecer atenção de quem tem a obrigação de zelar para que a liberdade de imprensa como suporte do Estado de Direito e da Democracia seja igual em todo o território nacional.

Em Trás-os-Montes e Corvo sabem-se as intervenções do poder nas ruas e bairros de Lisboa e Porto, mas aos lisboetas e portuenses pouco lhes é noticiado sobre o que se passa no resto do País que para muitos é paisagem, excepto catástrofes que lá ocorram, e para quem resiste a viver nos territórios longínquos é a imprensa local que cobre esta lacuna, mas até nesta é obrigação do Estado assegurar que sobreviva livre e isenta do poder político.

 

 

Carlos Faria

(blogue MENTE LIVRE)

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