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Delito de Opinião

Convidado: A. PINHO CARDÃO

Pedro Correia, 24.07.17

 

O deplorável teatro da geringonça

 

A monocórdica picareta falante, transmigrada de um seu ilustre avatar para a geringonça, modernizou-se, aumentou potência e cobertura, funciona agora em vários canais estereofónicos, e passou a dar voz e grito a nova e vasta sorte de malabaristas, prestidigitadores e contorcionistas, em fantasiosos teatros de circo e rua. A geringonça tornou-se na suprema arte de perder tempo, mas não se pode ter tudo, exotismo e governação capaz.

Se fosse uma peça de teatro, a geringonça poderia ser uma comédia. Poderia, mas a trama é tão medíocre que, de farsa em comédia, se foi tornando numa palhaçada. Se na comédia são os erros de percepção mútua, mal-entendidos e enganos entre os comediantes que provocam o riso e quem se ri é o público, já na palhaçada geringôncica quem é enganado é o público e quem se fica a rir são os comediantes. Jovens boys e velhos farsantes que nunca do palco saíram, o palco foi sempre a sua vida, eternos funcionários do palco à custa alheia.

Quando, o que é frequente, a peça não corresponde ao cartaz, o encenador-mor faz entrar em cena a troupe ilusionista a distrair os espectadores, que vão aplaudindo gato por lebre, mal pensando que se tornaram os bombos e os bobos do espectáculo.

Na mais recente representação em que, num primeiro acto, os comediantes penosamente dialogavam sobre um assalto ao principal forte das munições do país, a trama foi radicalmente alterada pelo encenador, mal regressado de férias. E o episódio terminou na apoteose de um hino aos heróis que prestaram o insigne serviço de despejar o forte, poupando incómodos à tropa e despesas de abate ao país. O forte era mera concentração de lixo e obviamente não se assaltam caixotes de lixo. Tancos nunca existiu, nem sequer no mapa, fim da peça.

Também houve Pedrógão, e mais de sessenta pessoas queimadas vivas. A Delegada da geringonça chegou e chorou no palco da tragédia, porventura como forma de melhor coordenação e comando. E do palco do fogo, saindo pela esquerda baixa, logo o encenador, bem de mansinho, se afastou para férias, deixando à boca de cena os principais personagens em diálogos homicidas, atribuindo uns aos outros todas as culpas sem ninguém se dar como responsabilizado. No fim, as forças da natureza, a trovoada seca, o raio da árvore, o downburst e a própria estrada, os deuses, como na tragédia grega, contra quem até é perigoso lutar, foram a explicação do sucedido. E assim apaziguados, fora das vistas do palco, no recato dos camarins, os farsantes maiores da geringonça resolveram fazer uma sondagem à popularidade das suas representações.

Enquanto isto, no teatro escolar, os alunos podem passar sem saber qualquer das suas falas, com quatro, cinco, seis ou sete negativas, mais um êxito da geringonça a bem da teatral fantochada educativa que insiste em representar. E, magnânimo e conformado, o Director do Instituto de Avaliação Educativa diz que o sistema está feito de modo a premiar a mediania…

Em matéria económica, com o inevitável fracasso da proclamada estratégia alternativa, a geringonça faz como o cuco, cantando êxitos em ninhos alheios que usurpou e para os quais em nada contribuiu.  

De farsa a comédia, de comédia a drama, de drama a tragédia, de tragédia a palhaçada, eis a geringonça em todo o seu esplendor. E é ela que, assim desgovernada, diz que nos governa. E há quem aplauda.

 

 

António Pinho Cardão

(blogue QUARTA REPÚBLICA)

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