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Delito de Opinião

Convidada: RITA MATILDE

Pedro Correia, 09.04.18

 

A forma como (não) lemos

 

"Não tenho tempo" é o que dizemos quando confrontados com hábitos de leitura. No entanto arranjamos sempre um tempinho para navegar nas inúmeras redes sociais disponíveis, para fazer scroll, ver séries ou para fazer zapping apenas para nos mantermos "ocupados". A internet e a televisão são as principais justificações para a "falta de tempo para ler", mas são antes disso as principais culpadas pela forma como lemos ou, devo antes dizer, como não lemos.

A massiva quantidade de informação com que somos diariamente confrontados leva-nos a simplesmente passar os olhos pelas palavras, o que vulgarmente chamamos de ler na diagonal. Estudos concluem que só lemos 20% do conteúdo que visualizamos, passamos os olhos, ignoramos parágrafos, saltamos de uma página para outra sem realmente mergulharmos na leitura. 

Os investigadores afirmam que o cérebro humano, em particular o daqueles que pertencem à geração millennials da qual também faço parte, está a perder as "ligações" que levaram centenas de anos a ser construídas, ligações essas fomentadas por actividades que estimulam a abstracção e imaginação. Há quem diga que a internet está a tornar-nos estúpidos, não acho que assim seja, no entanto estou certa de que a internet está a afastar-nos de uma das pouquíssimas actividades que nos levam simultaneamente a relaxar, abstrair da realidade e dar azo à imaginação.

No contexto europeu, Portugal surge no fim da lista quando se fala em hábitos de leitura, no entanto o número de portugueses que procura e utiliza apps de meditação e relaxamento aumenta exponencialmente, palavras como mindfulness, ansiedade e depressão fazem parte do vocabulário diário e adquirem lugar cativo nos media. Coincidência?

 

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Desde criança que oiço a expressão ler faz bem, mas só durante a adolescência consegui reflectir sobre o que significa fazer bem. Ler é talvez um dos melhores e mais benéficos hobbies, não importa se lemos ficção, não-ficção, poesia, o jornal ou artigos técnicos, ler é simultaneamente estimulante e relaxante. Vários estudos publicados nas últimas décadas confirmam que tem inúmeros benefícios. Ler reduz o stress, abranda o ritmo cardíaco e a pressão arterial. Está provado que ler estimula a memória e a concentração, cria ligações cerebrais e aumenta o nível de empatia, torna-nos melhores seres humanos.

Ora, se todos sabemos que ler faz bem, então porque é que não lemos? A resposta está na primeira frase deste artigo (leia-se reflexão): porque não temos tempo. Será realmente assim?

Suponhamos que um leitor assíduo é aquele que lê um livro por mês. Suponhamos agora que uma pessoa lê à velocidade média de uma página por minuto e que os livros que lê têm em média 300 páginas. Estimamos que essa pessoa terá dedicado cerca de 300 minutos do seu mês à leitura. Parece muito? Aqui ficam alguns exemplos que nos ajudarão a compreender o que esse tempo representa: 3 jogos de futebol completos e ainda 30 minutos de um outro jogo, caminhadas numa extensão total de 25 kim, 3 filmes ou 2 maços de tabaco. Tudo isto num só mês!

 

 

Então como poderemos “arranjar tempo” para ler? Os truques são mais do que conhecidos: definir um objectivo diário ao nível do número de páginas ou tempo de leitura, escolher um tema e/ou estilo que nos agrade, começar por ler livros com poucas páginas, manter a motivação através de leituras em grupo ou com o parceiro. Ler é relaxante, é sonhar, é como uma viagem pela abstracção e tão poucos de nós o fazem realmente. Em vez de mergulhar na leitura e saborear as palavras, passamos os olhos, não por não termos tempo mas antes por já não controlarmos o nosso tempo.

 

 

Rita Matilde

(blogue CLARO COMO ÁGUA)

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