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Delito de Opinião

Convidada: MARIA GRACE

Pedro Correia, 14.06.18

 

De jornalista... a telefonista

 

Estávamos em Setembro de 2001. Uma jovem recém-licenciada em Comunicação Social acaba de sair de uma das melhores universidades, a nível internacional, com um sorriso no rosto. Acabara o seu curso. Tinha atingido mais uma meta, na sua ainda tão curta vida. Saía daquela, onde até aí tinha passado grande parte do seu tempo, trabalhando arduamente, com a esperança de vir a encontrar o seu lugar na sociedade.

 

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 Foto retirada de. www.pexels.com

 

Como jornalista, como escritora, como voz das notícias, fossem elas escritas ou faladas. Mas nem imaginava que o mundo real não ia ser tão colorido como idealizava. Mal sonhava que ia entrar na maior selva que existe. Uma selva agreste, cinzenta, tempestuosa. A selva do mercado de trabalho, onde a concorrência não perdoa.

E nem os cinco anos de noites mal dormidas, nem a experiência adquirida num jornal diário conceituado, lhe valeram de nada, pois a resposta ao rol de curriculuns enviados era sempre a mesma: «Agradecemos a sua comunicação, mas de momento não estamos a necessitar...» ou «...Procuramos alguém com mais experiência na área.»

Que decepção! Cinco anos fatigantes e uma formação que não ia ver tão cedo a sua realização. Vidas trocadas, destinos cruzados, cursos mal tirados. Os desgraçados estudam, iludindo-se com um futuro prometedor (pensam eles), para acabarem numa sala escura e fria, onde impera o som dos telefones. Pois é! O seu primeiro trabalho, porque não podia ficar sem nada fazer, foi num call-center de uma operadora de comunicação. E deixem-me dizer-vos,que muitas pessoas nem imaginam sequer o que lá se passa dentro. Como é o funcionamento destes trabalhos temporários. Durante sete horas consecutivas a jovem atendia centenas de clientes, com apenas uma hora de almoço, cronometrada, quinze minutos de pausa, de manhã e à tarde, e se lamentavelmente tivesse uma dor de barriga que a obrigasse a ir à casa de banho, e a demorar mais tempo, já estava a ser repreendida. Ah, pois é! Até para ir à casa de banho tinham que pedir... e esperar pela aprovação. E, claro, não posso deixar de referir a pressão que sofria continuamente, pois as chamadas tinham um tempo médio de três minutos e meio, e nem podia pensar em deixar o cliente a ouvir música mais de um minuto. Já se ouvia lá do fundo uma voz que gritava “ VAI À LINHA!”. E este pedido não era um “Vai à linha... por favor”, mas mais próximo de “Vai à linha... JÁ!!!!”

Se é que me estou a fazer entender!

E quando se lembravam de dizer “Despacha-me esse cliente”, nem sonham a vontade que a jovem tinha de desligar automaticamente a chamada, algo proibidíssimo, com direito a despedimento por justa causa. A sua revolta crescia a cada dia que passava, quando devia ser a sua satisfação. Até que caiu a última gota de água, que fez a jovem “peixinha” saltar fora do aquário, quando pediu a um cliente para aguardar, pois estava a analisar o problema colocado, e do outro lado apenas ouviu o indivíduo para outro, na gozação:

 

- Esta não percebe nada do que está a fazer! Ah! É só uma telefonistazinha.

 

Nem consegue bem descrever o que sentiu naquele momento. Uma espécie de bola que lhe ficou entalada na garganta. As lágrimas a quererem sair, e um desejo de responder, mas não podia.

TELEFONISTA? TELEFONISTA? E obstinada como era, fez questão de ir ver:

 

TELEFONISTA: Funcionário de determinada empresa ou instituição cuja função é atender telefonemas, estabelecendo as ligações externas ou internas pretendidas.

 

A rapariga estava a resolver uma situação. Não ia passar o cliente para ninguém!!! Não! Efectivamente, o senhor não sabia a diferença entre telefonista e assistente de apoio.

Nem sei como aguentou tanto tempo. Ainda lá esteve uns longos meses.

Infelizmente a realidade com que se deparou foi aquela, há uns anos atrás. A verdadeira sociedade revelou-se nas respostas das várias empresas à sua apresentação. Experiência... Experiência… Experiência… Mas afinal onde se encontrava a suposta assistência que poderiam e deveriam dar aos jovens ex-estudantes?

Com muita pena minha, constato que ainda continua a ser assim, pois se lermos os classificados dos jornais, ou mesmo nos sites de emprego, a maioria das empresas pede um ou mais anos de experiência, para fazer isto ou aquilo. E logo aí muitos jovens, e até mesmo graúdos, ficam bloqueados perante tal requisito. E possivelmente são possuidores de excelentes qualidades, mas vão continuar incógnitos, quem sabe a atender telefones, pois as entidades só pedem pessoas experientes.

 

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Foto retirada de Google Imagens

                                                          

Infelizmente, para muitos, a experiência tantas vezes pedida pode levar à desistência. Como não têm nenhuma, pois acabam de sair das universidades, e não encontram, muitas vezes quem lhes dê a mão, acabam por desistir de uma realização profissional que estava destinada a eles, e para a qual estudaram durante anos, acomodando-se a um trabalho fatigante e sem hipótese de subida, pois as despesas começam a ser uma prioridade, e nem pensam na possibilidade de lutar pelo seu lugar ao sol.

Hoje, não sou jornalista, por minha opção, mas sinto-me bem com com o trabalho que exerço, e considero isso o mais importante. O segredo? Acho que, mais do que lutar por um cargo ligado obrigatoriamente ao curso tirado, é lutar por uma profissão que nos faça sentir bem, profissionalmente e pessoalmente.

Mas, claro, continuo a gostar imenso de escrever e de descrever. O meu pai costumava dizer, ao ler as minhas histórias, que eu fazia música com as palavras, em qualquer texto escrito, fosse uma crónica, um conto, uma notícia. E eu nunca desisti de continuar a compor a minha música em forma de palavras.

 

 

Maria Grace

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