Convidada: CÁTIA SAMORA
Solidariedade feminina, realidade ou mito?
Recuemos aos idos e saudosos anos 90. Ao meu terceiro ciclo (7.º, 8.º e 9.º anos). Aquela época em que a adolescência já estava em fase galopante, as hormonas andavam descontroladas e a personalidade ia-se construindo com picos de felicidade extrema e tristeza profunda. Oscilações perfeitamente compreensíveis à luz dos 13, 14, 15...
Desta época guardo boas memórias, mas também recordo que tive mais amigos do sexo masculino que do sexo feminino e lembro-me bem o que motivou esse facto.
A verdade é que a grande maioria das meninas da minha turma gostava de falar mal umas das outras nas costas e eu não tinha paciência para aqueles jogos. Mas a cereja no topo do bolo viria a ser a amizade saudável e despreocupada que eu mantinha com um dos rapazes que mais amores despertava na turma.
Resultado? Consegui, sem me esforçar absolutamente nada, que o sexo feminino, praticamente em peso, me odiasse. As raparigas da minha turma passaram a excluir-me de tudo e, certa vez, combinaram uma ida ao cinema onde toda a turma foi convidada, excepto eu e a minha melhor amiga, que era excluída por arrasto. Mais! Ameaçaram os rapazes: "se lhes dizem para ir cancelamos tudo."
Apesar da maldade deste episódio que vos descrevo ele não foi traumatizante, pois já na altura eu fugia de dramas e sabia bem o que não queria. E o que eu não queria era amizade por conveniência, era ter de agradar a algumas pessoas só para que não me vissem como um alvo a abater.
E por que razão vos conto eu isto? Simples.
Analisando a sociedade em que vivemos e falando agora de comportamentos adultos, creio que as mulheres, de um modo geral, continuam a tratar-se como aquelas meninas me trataram.
Existe solidariedade feminina? Não me parece... E mais grave ainda, na minha opinião, é não existir respeito entre mulheres. Parece que estamos sempre prontas a atacar, esperamos um deslize para poder apontar o dedo. Criticamos, com todo o azedume que conseguimos reunir, o sexo feminino com base na roupa, na postura, na maquilhagem, no penteado, na cor do cabelo, na forma como educa os filhos, no comportamento que tem para com o marido, na dieta que segue, na dieta que não segue, na forma como conduz, no modo como fala, como decora a casa, como vive a sua vida...
Parece que o sexo feminino é capaz de tolerar tudo, menos uma falha vinda de outra mulher.
Não sei de onde virá esta agressividade que pauta os nossos comportamentos, talvez venha dos tempos em que tudo aquilo que as mulheres ambicionavam era um bom partido e, motivadas por isso, a ciumeira e a disputa eram inevitáveis. Comparavam-se partidos e dotes e o sentimento de rivalidade era genuíno. Ou talvez seja algo mais recente... Mas o que importa isso?!
O que tem de importar aqui e agora é o futuro. Aquilo que podemos fazer a partir deste preciso momento em que nos encontramos. A mudança tem de estar presente no nosso quotidiano, na forma como educamos as nossas crianças ou no modo como vamos reagir da próxima vez que uma mulher falhar connosco. Temos de ser capazes de nos autocriticar e dizer: “Eu vou ser mais solidária para com as mulheres da minha vida."
Pessoalmente, e com vergonha vos confesso, também eu já fui injusta, já teci juízos de valor com base em coisas supérfluas. Contudo, tenho em mim o desejo de mudar, o desejo de que esta lacuna se possa fechar.
Farei o meu melhor e mais um pouco ainda.
Cátia Samora
(blogue HÁ MAR EM MIM)