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Delito de Opinião

Convidada: CAROLINA GUIMARÃES

Pedro Correia, 06.02.18

 

Casa do Cais: retrato real ou forçado de uma geração?

 

Foi com enorme surpresa que, aqui há uns tempos, vi um anúncio na RTP a uma série que claramente pretendia chamar a atenção de um público mais jovem: chamava-se Casa do Cais e tinha como “actores” vários youtubers portugueses, com um guião inspirado na história real acerca da vinda de um desses youtubers para Lisboa, após ter saído da sua terra natal, o Entroncamento (detalhe que só vim a descobrir mais tarde).

Fiquei logo em estado de alerta depois de ter visto o anúncio e pensei: “onde raio é que a direção de programas da RTP está com a cabeça?!” Sosseguei um pouco quando percebi que a série iria ser transmitida apenas online (mais uma vez, à procura dos jovens, que agora ignoram a televisão e só vêem youtube – e, por outro lado, fugindo de todos os Velhos do Restelo que, quando vissem a série, não só não conseguiriam parar de dizer impropérios e insultos sobre as gerações mais novas como provavelmente cairiam para o lado só de pensar aquilo que os seus netos fazem quando estão longe dos olhares mais responsáveis).

Não é preciso ser uma mente brilhante para perceber, vendo apenas o anúncio publicitário, qual a temática da série: como se diria há dois anos, é sobre a “vida loka” da malta nova. Copos, ressacas, festas, droga... e sobre todas as consequências que (quase) tudo isso traz na manhã seguinte.

 

 

Não me fiquei pela promo: vi mesmo os três episódios disponíveis até agora na RTP Play. Não fiquei chocada, nem admirada. Na verdade, fiquei com o estado de espírito igual ao de sempre no que diz respeito a este assunto: preocupada, triste e eternamente desintegrada.

Preocupada porque se aquilo que ali vemos é o padrão da minha geração, isso significa que por um lado nós não conseguimos viver sem substâncias adictivas para nos divertirmos e que por outro o nosso sentido de responsabilidade está bem abaixo do que é suposto; triste por reconhecer que há tanta juventude a seguir um padrão de vida com o qual não me identifico minimamente, quer nos princípios quer na forma de viver; e desintegrada porque sou jovem e não me revi num único acto daquela série – porque não fumo, porque não bebo, porque não vou a festas em que as pessoas ficam bêbadas e pedradas de caixão-à-cova, porque nunca fumei drogas, porque nunca fui de ressaca a uma entrevista de emprego, entre tantos outros exemplos que podia dar. E ainda bem. Não é que, em alguns dos casos, me tenham faltado possibilidades de experimentar – mas nunca o fiz, porque sempre agi de acordo com a minha consciência e por sempre ter tido uma opinião muito própria sobre todo o tipo de substâncias que nos deixam fora de nós e alteram os nossos comportamentos.

 

CasaDoCais2.jpg

 

Já não chegava eu ver a minha geração representada daquela forma, numa antítese completa daquilo que é a minha forma de viver e de estar, quando, há umas semanas, ouvi na rádio algo que me deixou estupefacta. Dois dos protagonistas desta série foram falar sobre a mesma a uma estação e acabaram por dizer que já era a altura dos grupos jovens e LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgéneros) estarem representados na televisão, para que os jovens com características semelhantes se pudessem identificar, uma vez que, na sua opinião, ainda hoje são poucas as personagens gays ou lésbicas presentes em telenovelas, por exemplo.

Dos quatro protagonistas na Casa do Cais, uma é heterossexual, outra é lésbica e os outros dois são gays – com várias características que os fazem identificar com os devidos grupos, como a masculinidade da personagem lésbica ou o facto de um dos gays se maquilhar ou o outro ter trejeitos mais femininos, entre outras coisas. E é importante eu deixar algo claro: apoio abertamente os grupos LGBT onde quer que esteja. Não vou a manifestações, porque não é o meu estilo, mas festejo de cada vez que um país legaliza o casamento gay ou que, por exemplo, vejo gestos de carinho entre pessoas do mesmos sexo serem aceites normalmente na sociedade. Mais: tenho amigos gays. E, adivinhe-se!, não têm nada com o estereótipo representado na série. Os gays não têm de se maquilhar, não têm de fazer “workshops de garganta funda” (citado da série!), não têm de estar sempre a falar de outros homens. Da mesma forma que nem todos os jovens têm de beber, fumar ou vomitar para dentro de um forno depois de beberem uma garrafa de vodka (também retirado da série).

 

Há quem seja assim, há quem não seja. Todos devem ser respeitados por igual. Mas preocupam-me as generalizações. Não gosto que digam que aquilo que se vê na Casa do Cais é uma representação fiel da juventude de hoje – porque não sou assim (e penso – e espero - não ser excepção), porque não quero que me incluam num grupo com estas características e porque tenho vergonha. Não gosto que digam que ali se vê o mundo LGBT (do qual nem sequer faço parte), porque também não acho que um bando de rebeldes meio-desgovernados represente o todo. Mas, dada a minha posição eternamente desintegrada, tenho medo que tudo isto me tenha passado ao lado.

Será que esta série é a representação fiel de uma geração que eu claramente não quero perceber? Ou será a hipérbole de uma série de comportamentos que, de facto, acontecem cada vez com mais frequência e aceitação na nossa sociedade, mas que ainda não chegou ao ponto de serem a regra? Apesar de tudo, estou a torcer para que a segunda opção seja a resposta certa.

 

 

Carolina Guimarães

(blogue ENTRE PARÊNTESIS)

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