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Delito de Opinião

Convidada: ANA CABETE

Pedro Correia, 04.06.18

 

Cismar

 

Perdeu-se o cismar.

Activos, produtivos e exaustivos, deixámos de cismar para o céu, cismar à janela, cismar para um livro, cismar ao sol, cismar para dentro.

Ninguém se encarrapita; sofre-se de síndrome vertiginoso e não se olha o Alto; para conhecer os segredos da “máquina do mundo”, basta inclinar a cabeça para o ecrã que jaz nas mãos.

Desapareceram os esgrouviados; civilizadamente inconformados, já se pesquisou tudo e não é um verso que vai ensimesmar ou transviar a estrutura.

Não se cita Camões: “Bem céu fica a terra/ que tem tal estrela”; teme-se a rejeição e espreita-se a SMS da adolescente: “És bué a minha cena!”.

 

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 Imagem: fotógrafa Sofia Colvin

 

Chega de arrecadar; não há cartas de amor ridículas, postalinhos ou seixos do mar para os segredos do baú.

Macambúzios e com tanglomanglo, nunca mais; pílulas de todas as cores para resistir ao “desconcerto”.

Ao demo a cordialidade; esquece-se a origem “cor, cordis” e amarram-se as cordas do coração. O salamaleque, a saudação “a paz esteja convosco”, é para os balconistas das lojas chiques. Muita educação revela insegurança ou, pior, falta de personalidade.

Hoje, sofre-se de burnout, distúrbio psíquico resultante de vertigem, não daquela decorrente do cismar em cima do telhado, mas da vertigem que resulta da velocidade, da entrada abrupta no futuro, sem recolher o que é precioso e ficou retido no passado.

 

 

Ana Cabete

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