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Delito de Opinião

Continua a feira

Sérgio de Almeida Correia, 01.07.24

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Passou mais de um mês.

Celebrámos o Dez de Junho, houve discursos, a ministra da Justiça esteve na RAEM em representação do Governo de Portugal. Eu próprio estive fora, regressei, voltei ao trabalho. Houve arraial, sardinhada, Santos Populares, inaugurações, exposições, muito croquete, conversa mole e as habituais declarações de intenções.

Mas se há alguma coisa que não mudou e que possa ser dita neste momento é que o ambiente se adensou e a confusão na Escola Portuguesa de Macau (EPM) é cada vez maior.

A confusão, a falta de informação e a falta de vergonha.

Os jornais quase diariamente fazem capas com notícias da EPM. Nos telejornais e nos noticiários da Rádio Macau não faltam notícias sobre a EPM. A instabilidade é grande, a apreensão de pais, alunos e professores continua.

Ontem (30 de Junho), ao final do dia, reparei que só no portal do canal português da Televisão de Macau havia na página de entrada 9 (nove) notícias seguidas relativas à EPM (“Portugal pede processo de averiguações à Escola Portuguesa de Macau”, 17:24, Poderá estar em risco Português Língua Não-Materna”, 21:54, Associação de Pais elogia comunicação”, 21:56, Fundação da Escola Portuguesa alega falta de respostas do Ministério da Educação”, 21:56, “Ainda não há data para o início das aulas”, 21:58, “Duas professoras da Escola Portuguesa pediram a demissão”, 22:00, “Fundação da Escola Portuguesa reage”, 22:01,  “Processo de Averiguações à Escola Portuguesa pela Inspecção-Geral da Educação”, 22:02, “EPM saúda processo de averiguações ordenado por Lisboa e pede investigação de possíveis ilegalidades”, 23:00).

Respostas às dúvidas e questões levantadas é que nada. A informação que sai é pouco rigorosa.

Tirando uma ou outra declaração avulsa, ou um comunicado, como o que apareceu da Fundação da EPM a congratular-se com a instauração de um processo de averiguações, continuam por dar os esclarecimentos que se exigem.

E já se percebeu que se começa a procurar misturar as dispensas de professores e as contratações de novos, usando expedientes pouco sérios, com situações de natureza financeira e contabilística que nada têm a ver com os problemas do ensino e o “esquema” engendrado para as novas contratações.

Depois do que se ficou a saber durante o mês findo, em que se tornou evidente que a dispensa de professores e a contratação de novos, antes mesmo de serem comunicadas aos próprios as dispensas daqueles que se queria afastar, aparentemente sem razão, pelo menos nalguns casos, nem motivo para que tivessem sucedido, a não ser para se poder contratar quem já ser percebeu ser amigo e de relações próximas e de grande intimidade com o Director da EPM, o que aliás se confirmou a partir de Díli, era de esperar que o presidente da Fundação da EPM já se tivesse vindo retratar e pedir desculpa por ter tentado enganar as pessoas quando disse numa entrevista que os professores que vinham não vinham por alvedrio do director nem por serem amigos deste. Afinal, ao que me asseveraram, até já cá tinham estado de férias, aproveitando para tratar dos papéis.

Na quinta-feira passada, na edição de 27/6/2024, numa reportagem de André Vinagre, no Ponto Final (“Polémicas na EPM deixam pais apreensivos”) recordava-se que “até agora, nem Acácio Brito, nem Alexandre Leitão, nem Neto Valente esclareceram a situação. Neto Valente disse apenas ao Jornal Tribuna de Macau que as notícias postas a circular são “falsas” e que “só provocam ruído” (p. 4).

Porém, o curioso é verificar que se há hoje “ruído”, e tanto ruído, do qual aliás já houve quem fizesse abusivo aproveitamento político, é exactamente porque enquanto tardarem as respostas que a comunidade escolar e a opinião pública em geral querem conhecer, e se tentar continuar a disfarçar o que aconteceu, assobiando para o ar, esse ruído irá continuar. Mais desprestígio e mais ruído em tão pouco tempo era difícil.

É óbvio que os eventuais problemas de natureza económica-financeira que tivessem sido “herdados”, deviam ter sido logo de início denunciados e esclarecidos. E não só agora, aproveitando-se a confusão gerada pela dispensa de professores, que não faziam falta e podiam ser dispensados, mas que afinal não podem sair enquanto não estiver concluído o processo de averiguações instaurado pelo Ministério da Educação, para se misturar tudo.

Assim como se impunha que o pretenso mau relacionamento da anterior Direcção da EPM com a DSEDJ, insinuado publicamente pelo presidente da EPM, também deveria ter sido objecto de esclarecimento com factos objectivos, não se deixando no ar a insinuação soez, entretanto desmentida por várias fontes de dentro da própria DSEDJ, e da comunidade, que me asseguraram ter havido sempre o melhor relacionamento com a anterior direcção.

Também seria conveniente esclarecer se para o pedido de contratação de novos professores não-residentes, em regime blue card, a actual direcção da escola, nos dados que terá fornecido à DSAL sobre o número de professores residentes ao seu serviço, contou com os que já tinha em vista dispensar para obter autorização para os novos que iriam ocupar os seus lugares. Isso até hoje não foi esclarecido e devia sê-lo. Porque se isso for verdade, como me foi aventado, então faltará a adjectivação para essa acção.

A juntar a tudo isto, adensando ainda mais o ambiente – perfeitamente escusado e dispensável – que se vive na EPM, há agora mais duas professoras que resolveram voluntariamente apresentar a demissão, uma das quais, disse-o o insuspeito Jorge Silva, no Telejornal, “devido à actual situação que a instituição está a atravessar”.

Ninguém gosta de instabilidade profissional, de insegurança e de viver num clima de medo, em que, a não ser que seja para elogiar o presidente da EPM ou a acção da direcção da escola, nenhum professor fala livremente à luz do dia com receio sobre o que lhe poderá acontecer ou sobre o que de si dirão nos próximos meses. Muitos pais também se refugiam no anonimato quando prestam declarações à imprensa.

Convenhamos que nada disto é normal. Ainda menos, como me chegou aos ouvidos, quando se colocam professores em fila à porta de um gabinete, todos à mesma hora, para lhes serem comunicadas as respectivas dispensas. Escuso-me a qualificações.

Isto numa escola internacional que ocupa muito boa posição nos rankings, goza de elevado prestígio e apoios públicos do Governo da RAEM e na qual a comunidade dos residentes, das mais de vinte nacionalidades de onde provêm os alunos, e o Estado português, tem reconhecido e natural interesse e mais do que óbvia preocupação.

O presidente da Mesa da Assembleia Geral da Associação de Pais, que agora passou a falar em nome destes face ao mais do que óbvio conflito de interesses e situação de dependência profissional do anterior porta-voz, numa entrevista telefónica que concedeu ontem à TDM, dizia que é a primeira vez em que nesta altura do ano ainda não se sabe quando recomeçará o ano lectivo.

A somar a tudo isto ainda temos processos em curso na DSAL e na DSEDJ em razão das queixas apresentadas pelos professores dispensados. Não se percebem dispensas ao mesmo tempo que se pede a contratação de novos, dizendo-se semanas depois à LUSA que os dispensados não faziam falta

O presidente da EPM, que em meu entender esteve na origem do imbróglio, deste clima de semi-bandalheira em que estamos, continua a atirar as culpas para os outros. Nada do que de mal foi feito lhe pode ser assacado.

No entanto, também nada do que aconteceu foi inocente.

Ou pode ser reconduzido a meras opções de gestão de um director que chegou há meia-dúzia de meses, que nunca cá tinha estado, não conhecia ninguém, e aqui se estatelou de bruços.

Tudo se afigura antes, pelos factos que se vão conhecendo, ao cumprimento de uma agenda delineada ao pormenor, colocada em prática com o recrutamento do Dr. Acácio de Brito, e da qual este é um mero bandarilheiro, ou peão de brega, que ficará com o odioso.

Quem engendrou esta trapalhada nunca será responsável por coisa alguma, embora tudo e mais um par de botas possam passar sempre por si.

O ministro da Educação, Ciência e Inovação, que além de ser pessoa ponderada e bem preparada me parece ser, como escreveu há dias Nathalie Schuck recordando Orwell, um homem dotado de common decency, tem de com a maior brevidade colocar um ponto final na bagunça em que vive a EPM desde que o seu antecessor, de tão triste memória, nomeou a actual liderança da FEPM.

Se necessário pondo a andar toda esta trupe que deixou de ter condições para fazer um trabalho normal, discreto e que no futuro não levante desconfianças.

Enfim, nomeando pessoas afastadas dos partidos, incluindo do PSD (refiro-me ao Dr. Cesário) ou do CDS (o Dr. Acácio Brito é a famosa personagem do "caso Camarate", ligado àquele partido, a quem o "autor material do crime" se confessou em exclusivo sem o conhecer de lado algum e na sequência da participação num rodízio de final de ano), e dos interesses empresariais, imobiliários e económico-financeiros da terra, gente dedicada ao ensino e a Macau, com qualidades pedagógicas, cuja única agenda seja o interesse da EPM, a salvaguarda do seu bom nome e da qualidade de ensino, do bem-estar de professores, alunos e demais trabalhadores, que alivie as preocupações dos encarregados de educação, tire a EPM das notícias, saiba gerir sem armar a confusão, tratando as pessoas com o respeito com que estas merecem ser tratadas, e fundamentalmente que cumpra a sua função de formar e ensinar bem, com exigência, tranquilidade e rigor, sem outras preocupações que não sejam estas.

Gente séria, gente sem agendas escondidas ou que actue visando a realização de interesses pessoais, de seita, de casta ou de um grupo de amigos, cuja acção, sob a capa de um falso altruísmo e dedicação à comunidade, acaba sempre em confusão e trapalhada onde quer que se meta.

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