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Delito de Opinião

Contágio

Maria Dulce Fernandes, 17.03.20

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Ontem a minha guerra antecipou-se ao estado de sítio e fechou.
Decretou recolher obrigatório, informou e encerrou. A consciência social, a responsabilidade de quase 200 almas é grande demais para se resumir a cifras. Felizmente para os funcionários, a gerência nunca considerou as suas pessoas apenas números.


É esmagadora a sensação de fechar as portas sem previsão de regresso.
Todos sabemos da necessidade de medidas extremas como esta, por todos e para todos, mas em 43 anos no mesmo posto de trabalho, não tenho memória de semelhante ocorrência e a consciência da insignificância humana perante o gigante nanoscópico que nos assalta e destrói é assaz doída e triste.


Fechei. Saí. A noite estava fria e a rua deserta. O motorista TVDE era conversador e eu sem grande paciência para lhe dar troco. Ia intercalando ideias enoveladas com secos monossílabos, sem dar muita atenção à conversa, até me chegar a palavra “exagero". Ali estava eu com alguém que, como tantos outros milhões, não entende a magnitude da destruição que este ignoto homicida pode causar à vida, à sociedade, ao mundo. Nada! Não é nada. Apenas mais uma fabricação do capitalismo norte-americano para destruir psicologicamente as pessoas e afundar a China e a Europa.


Dez minutos, longos e penosos. Respiro devagar. Afundo o nariz e a boca na echarpe. Sinto-lhe o hálito a tabaco ressequido e álcool cozinhado. Pode ser que o tenha desinfectado…


Todos vendidos ao “Grande Capital", é o que é. O que querem é fazer implodir os países e as economias com uma pretensa epidemia. Estão feitos uns com os outros, é o que é. Anda tudo ao mesmo, é o que é. Mas ele não, que sabe bem o que é ser-se explorado física e psicologicamente. Fechar tudo! Onde é que já se viu? Quando reabrirem, já é tarde! Não há nada. O país colapsou. A ele é que não o enganam com falsas epidemias.


Finalmente cheguei, desejei-lhe boa sorte e ideias desanuviadas para quando for a doer. Porque agora já não é “se", é mesmo “quando". Fugi, corri dali para fora e respirei fundo, tentando exalar o contágio sufocante, mais infeccioso do que o vírus traiçoeiro.


Entrei em casa e refugiei-me na casa de banho. Nem boa noite. Água quente, uma escova de cerdas rijas e dettol a rodos, a auspiciarem um triste início de quarentena obrigatória.

 

5 comentários

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    Cecília 17.03.2020

    obrigada pelo seu comentário (eu que felizmente tenho amigos africanos e recentemente estive em África - o que é algo que me ajuda a manter-me sã "deste lado do mundo"): este post só valeu a pena pelo seu comentário
  • "deste lado do mundo"

    Fique por lá, brincando aos pobrezinhos, ou vendo-os passar, ao longe, dos Resort, do Grupo Pestana.
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    Cecília 17.03.2020

    meu caro,
    mas que tiro mais ao lado o seu agora - mas tão tão ao lado!!!
    não esperava isso de si - você é mais um que se perdeu na própria intelectualidade.

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    V. 17.03.2020

    Tipo Lobo Antunes?! Desejo um destino muito melhor e mais glorioso para o meu amigo Vorph.
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