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Delito de Opinião

Construção Social do Género

jpt, 17.08.22

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Estas questões do "género" têm que se lhe diga, e o que sobre isso vem à baila também. Diz-se que "agora" os homens têm de se despachar em afazeres domésticos, aprendê-los e isso, num óbvio "os tempos mudaram", um viés do que hoje se diz "construção social do género" e antes se dizia divisão sexual do trabalho. Será assim, para os muitos das novas gerações, os desta "Era Identitária"... Acontece que sou velho e tenho outras memórias, "identitárias" por assim dizer.
 
Quando acabei o curso fui convocado ao "Calhau". Não guardo disso boas memórias, pois foi um azar nítido: não só pelas oportunidades laborais que logo perdi. Mas, acima de tudo, porque no meu edital (25 ou 50 nomes, já não recordo) fora o único a quem não tinha sido atribuída a ansiada "passagem à reserva territorial". Terá sido o dia de maior raiva da minha vida.
 
Depois foi o que sabem aqueles que fizeram a tropa. Algo rude - menos que antes, pois havia 2 anos que tinham morrido uns recrutas na "prova do fosso" e isso amainara o jovem oficialato e os temíveis furriéis. Pesado, porque aquela "ginástica até à morte" não era um mero mito. E dificilmente suportável, porque tudo aquilo era, acima de tudo, uma imensa perda de tempo para um puto cheio de pressa na vida. E depois, ainda por cima, era um bocado pacóvio, de anacrónico - cada um tinha a sua "namorada" (a G3): e todos tínhamos um "inimigo" ("o meu alferes dá licença?", um dia perguntou o sô Teixeira, durante a prelecção ao pelotão na parada, "diga, sô Teixeira!", "quem é esse inimigo?". Sorriso do jovem oficial - que era um puto porreiro, rijo mas porreiro - e "Bem, dantes eram os russos, agora não sabemos!!!", que o raio do Gorbatchov nos tinha trocado as voltas...).
 
Enfim, por lá andávamos, Tapada acima, Tapada abaixo, disparando quando nos diziam para isso, correndo e saltando quase sempre, marchando na parada com a monotonia ou nas cercanias do raio da vila (raisparta Mafra), com mochilas mais pesadas do que no inter-rail, estudando sebentas do pequeno oficialato noite afora, sorvendo o rancho que não vinha do Pap'Açorda, e o tintol que se dizia ter cânfora para reduzir os anseios (sodomitas, presumo), e sei lá mais-o-quê que já lá vão mais de trinta anos. E no meio disto tudo ainda se tinha de aturar - e isso talvez fosse o pior - os instruendos camaradas estuporados, pois ali deprimidos e/ou na ronha, sofrendo aquilo como se dali fossem partir para a frente leste, os esperasse um qualquer Estalinegrado e não apenas um anito de modorra numa Tavira ou Lumiar qualquer...
 
Enfim, no que tive de fazer lá me safei o suficiente, apesar de desajeitado naquilo (menos na pontaria, registo, apesar de destro com olho condutor esquerdo), muito devido ao que na avaliação final ficou explícito, uma boa referência em "rusticidade", algo que ainda hoje recordo com prazer, enfático.
 
Dito isto, foi na tropa que este burguesote, tão benjamim que quase filho-único, aprendeu a coser botões, a ir à máquina de lavar quando chegado a casa de trouxa às costas, a passar a ferro (mais ou menos, mais ou menos...), a ter os pertences muito bem arrumados, qu'a gente tem de limpar os sanitários (lavabos e cagadoiros), a ter calçado e vestes impecáveis. A organizar uma mesa (quando se é "chefe" dela"). E que fazer a cama é a primeira coisa após se vestir, e muito bem aprumadinha, que a "casa" não é para estar descomposta... E, mais do que tudo, a ser "mães de famílias" (como então se dizia) pois também era exigido o tomar conta dos outros (mais-novos, por definição) que não sabiam fazer as coisas, como eu desesperado com o bom do sô Cabecinhas, meu camarada de beliche, um daqueles alourados celtas que o Norte ainda nos oferecia, desajeitado nas artes de esticar lençóis e tão atrapalhado em tudo aquilo, assim sempre atrasando-se, que algo relapso na higiene pessoal, obrigando-me a trocar-lhe in extremis as fronhas, para evitar a gritaria do oficialato, aquela do "Sô Teixeira, você não está a ajudar o seu camarada... vamos encher". Etc...
 
Enfim, é isto apenas a minha contribuição de antropólogo para esta lengalenga da "construção social do género", sub-secção "lavores". Quanto ao resto? Raisparta Mafra...
 

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