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Delito de Opinião

Comunismo fiscal

José Meireles Graça, 15.04.23

Os meus para cima de seis leitores sabem que há uma categoria de académicos, magistrados da opinião, políticos e opinantes pela qual nutro uma embirração, e que é a dos economistas.

Nada de pessoal. Alguns dos meus melhores amigos pertencem à agremiação, e por isso um ou outro rosnará, se ler estas regras, com um misto de enfado e compreensão: Lá está ele!

Sucede que há uma diferença entre esta e todas as outras formações, e essa diferença assenta num equívoco. Sucintamente: o principal assunto político (não o único, graças a Deus) dos artigos de opinião é a criação de riqueza e a sua distribuição, mesmo quando pareça que se está a falar de outras coisas; as várias correntes políticas têm sobre estes assuntos não apenas opiniões diferentes mas com frequência opostas; e os economistas dividem-se segundo precisamente as mesmas linhas de fractura.

Se se dividem desse modo isso significa que todas as demonstrações com abundância de números e aparente rigor de raciocínios se baseiam nos mesmos pressupostos ideológicos que fazem com que o comum dos mortais esteja mais à direita ou à esquerda, e não têm portanto mais valor acrescentado, muito menos científico.

Quem os lê ou ouve, porém, acredita com demasiada frequência (e os próprios também, Deus lhes perdoe) que aquele tipo de formação ajuda a ver o caminho das pedras do desenvolvimento, e daí que se ouçam os respectivos discursos com a deferência com que não se ouvem os dos treteiros comuns.

É esse o equívoco. E como Portugal é hoje um país formatado à esquerda (foi sempre, em maior ou menor grau, desde o 25 de Abril – uma afirmação à qual não me vou dar ao trabalho de dar conteúdo) um académico prestigiado, com discurso escorreito, tem grande audiência se for de esquerda.

É esse o caso de Susana Peralta. E para responder à solicitação da Visão, feita a ela e outros, para se pronunciarem sobre o tema “30 ideias para fazer agora e melhorar Portugal”, a preclara diz esta coisa prodigiosa:

A minha ideia é implementar um imposto sobre heranças e doações em Portugal. A ideia é importante porque a distribuição da riqueza é muito mais desigual do que a distribuição de rendimento e, por outro lado, a riqueza é algo que quando é herdado é uma lotaria no momento do nascimento que acaba por contribuir para uma grande diferença nas oportunidades que são dadas a diferentes indivíduos na sociedade sem que tenham qualquer mérito por isso.

Que se ache que o país fique melhor pelo efeito de se criarem novos impostos, num contexto em que a carga fiscal é, para a nossa desesperada necessidade de crescer, absurdamente alta (mais uma vez: não vou elaborar neste ponto, há dúzias de artigos de colegas da doutora Peralta a verberar o sufoco fiscal), desafia ao mesmo tempo a lógica e o senso (o bom, não o comum porque este último está condicionado pela máquina de criação de dependentes do Estado que o regime é).

Está tudo errado: a diferença na detenção da riqueza é um facto inevitável em sociedades onde haja liberdade económica e nada tem de indesejável porque só é possível contrariá-la pelo esbulho. O qual, por ofender o direito de propriedade e a poupança (poupar para investir, quer se tenha quer não se tenha herdado, é socialmente muito mais útil do que consumir, ainda que a escolha deva pertencer aos cidadãos e não à dra. Susana) castiga a cidadania. A diferença de oportunidades existe, bem entendido, mas também ela é natural e é uma decorrência da liberdade económica e até da liberdade tout court: à sombra de qual direito que não seja abusivo acha a professora que o Estado me pode impedir de desejar para os meus filhos melhores condições materiais de partida do que as que eu tive?

Cabe perguntar: Por que razão pessoas inteligentes dizem estas tolices que não são inócuas porque alimentam a inveja e o ressentimento? Dou a resposta que dei no mural, no Facebook, de um amigo:

O imposto sobre heranças ainda existe, se bem que com o nome de imposto de selo, e é de 10%, ainda que não se aplique a filhos, cônjuges e pais. E, como é costume em Portugal, tem na sua aplicação prática aspectos caricatos. Por exemplo, uma minha tia querida deixou aos seus sobrinhos a casa em que vivia, com reserva de usufruto para um terceiro. E eu e cada um dos meus 14 primos pagamos, cada um, à volta de 200 Euros de imposto por uma casa que, na prática, não pode ser vendida por estar gratuitamente ocupada. Susana acha provavelmente que 10% é uma ridicularia. Eu acho que é um abuso, e acharia o mesmo se fosse 1% ou 100%. Porque este imposto nega a quem tem alguma coisa de seu o direito de dispor dos seus bens da forma que entender, mesmo que, como é quase sempre o caso, tenha optado por investir em vez de consumir. Susana não deseja isto em nome da economia (ela é académica do ramo, por conseguinte pouco entende do assunto), mas sim em nome do seu acendrado amor pela igualdade. De outro modo: é uma comunista fiscal. Não muito menos abominável que os autênticos comunistas.

Comunista fiscal sim, com perdão de algum exagero retórico. Porque o raciocínio nada tem de económico, e tudo de circular. Começa-se por definir a desigualdade como um mal; se é um mal, há que combatê-lo; se há que combater a diferença está nos processos – ou se confisca já ou no espaço de duas ou três gerações. Que no percurso se atenue, mate ou distorça a livre iniciativa, que se dane. Então não é a igualdade o valor mais importante, como se disse a princípio?

É, para ela. Não, para mim. Ademais com a diferença de eu desejar à doutora Susana as maiores felicidades no gozo do que lhe pertence, que espero seja muito, e a ilustre académica não me retribuir no que me pertence a mim, que é infelizmente pouco.

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