Complicar o que é simples
Compro uma embalagem de lombos de atum em conserva. Bom atum, açoriano, da ilha de São Jorge.
Reparo no rótulo da embalagem: é um modelo de correcção política. Além dos elementos básicos, relativos aos ingredientes e ao prazo de validade, sou municiado com um estendal de "informação nutricional".
Energia.
Lípidos.
Lípidos saturados.
Açúcares.
Hidratos de carbono.
Fibras alimentares.
Proteínas.
Sem esquecer o sal.
Mas não fica por aqui. Garante-me a pequena embalagem de atum Santa Catarina que o atum foi capturado com recurso a "pesca salto e vara": não percebo o português, mas devem querer dizer que o bicho não sofreu no momento da captura. Asseguram-me que o atum é "laborado manualmente": continuo sem entender o português, mas parece algo destinado a apaziguar por antecipação a minha suposta ira contra a morte de seres vivos destinados à alimentação humana, como se eu fosse um feroz militante animalista.
O espaço é curto, mas os dados informativos estão longe de esgotar-se. "Pescamos artesanalmente à cana" e "protegemos os golfinhos", proclama ainda a simpática indústria conserveira de São Jorge.
Tudo numa simples lata.
Enquanto cozinho sem peso na consciência o meu prosaico esparguete de atum com molho de tomate e cogumelos, vou pensando que, de ansiedade em ansiedade, passamos hoje o tempo a complicar o que é simples. Depois não nos sobram horas, por vezes sequer minutos, para as coisas verdadeiramente importantes.