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Delito de Opinião

Companheiros, encolhi o PSD

Pedro Correia, 21.01.20

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Foto: José Coelho / Lusa

 

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O PSD é o único, dos cinco maiores partidos portugueses, que tem sede nacional num edifício sem porta directa para o passeio: ocupa uma vasta mansão no selecto bairro da Lapa, na Lisboa oitocentista, o que o afasta do ruído da rua. Esta sede aparentemente sem sentido, mais entrincheirada do que muitos ministérios, simboliza muito do que é hoje o partido fundado em 1974 por Sá Carneiro: perdeu a vocação para ser um aglutinador de massas e tornou-se uma agremiação de quadros. Uma espécie de CDS em ponto maior.

É certo que sempre foi heterogéneo. Social-democrata em Lisboa, liberal no Porto, populista na Madeira, conservador com franjas reaccionárias absorvidas do anterior regime no Interior Norte e nas ilhas, católico nos campos e agnóstico nas cidades. Mas, apesar de tudo, com traços identitários inconfundíveis: paladino da iniciativa privada como motor da economia, porta-voz dos portugueses sem vínculos profissionais com o Estado, obreiro da autonomia regional.

 

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As dinâmicas sociais destas duas primeiras décadas do século XXI, que têm alterado o mapa político da Europa, vão chegando com o habitual atraso ao canto mais ocidental da Europa. Mas já causam estragos em três dos quatro partidos fundadores do actual quadro constitucional português. Com o CDS reduzido à expressão ínfima, o PCP transformado numa relíquia de si próprio e o PSD despojado da vocação maioritária que lhe esteve longo tempo associada. O vendaval há-de bater também à porta do PS, mas ainda não agora.

O PSD foi dissipando grande parte das características que ostentava, como emanação da sociedade civil mais empreendedora e dinâmica, em contraste com os socialistas, arautos das corporações ligadas ao Estado, que em Portugal tende a ser tentacular. Perdeu muitos traços identitários - desde logo a capacidade de mobilizar multidões. É hoje um partido de quadros urbanos que se articulam mal com o que resta das bases, predominantemente provincianas e rurais. Alinhadas mais à direita do que as cúpulas.

 

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Rui Rio é, se pensarmos bem, o dirigente certo para esta fase da vida do partido. Pelo seu percurso, nunca dissociado do aparelho partidário. Por fazer parte da geração que acordou para a política com o 25 de Abril e é ainda tributária daquele impulso inicial da democracia portuguesa. E também pelos traços contraditórios da sua personalidade, onde se conjuga algum conservadorismo atávico com uum progressismo em doses mitigadas, fruto do contexto histórico em que se formou politicamente.

Avesso a populismos e a cartilhas ideológicas, Rio teria horror a chefiar um partido de largo espectro, fazendo concessões às massas ululantes. Mas sente-se confortável à frente de uma força de média dimensão. Isto permite-lhe exercer influência em grau suficiente para não se tornar irrelevante no quadro político enquanto torna mais homogéneo o PSD, adaptando-o às suas idiossincrasias pessoais. No fundo, projectando à escala nacional o modelo que pôs em prática durante 12 anos enquanto alcaide do Porto.

 

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Para que este desígnio tivesse sucesso, havia que encolher o PSD. Esta meta foi alcançada com a eleição directa para presidente da Comissão Política Nacional, realizada pela primeira vez a duas voltas.

Em comparação com a campanha eleitoral que há dois anos opôs Rio a Santana Lopes, verifica-se um recuo drástico, tanto ao nível dos militantes com capacidade eleitoral como daqueles que exerceram o direito de voto. Em 2018, houve 70.692 eleitores e 42.655 votantes - Rio recolheu 22.728 votos, ficando Santana com 19.244.

Agora havia apenas 40.628 eleitores inscritos - menos do que os espectadores que na passada sexta-feira assistiram ao jogo Sporting-Benfica. E às urnas só se dignaram comparecer 31.295. O presidente do PSD foi reconduzido com 16.420 votos, cabendo 14.547 ao seu opositor, Luís Montenegro.

Por outras palavras: teve desta vez menos 2.824 votos expressos do que Santana, candidato derrotado em 2018.

 

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De qualquer modo, os resultados deste segundo escrutínio configuram uma vitória por margem que, sendo escassa, basta para mostrar quem manda nos exactos termos que Rio delineou: pouco lhe importa que o partido esteja praticamente cindido em duas metades (e com a Madeira excluída deste processo eleitoral), desde que ele imponha a sua vontade no maior gomo da laranja. Daí ter-se apressado a declarar que vai propor para o próximo Conselho Nacional não uma lista de unidade, mas uma lista de facção. A sua.

Percebe-se a intenção: tutelar um grupo exíguo mas coeso é condição necessária para situar o PSD como partido charneira da futura arquitectura política nacional, em função de uma geometria muito variável. No fundo, exercendo o papel que o CDS preencheu noutros tempos. Este é o patamar suficiente para satisfazer a ambição de Rio.

Eis um sinal inequívoco de despedida: o tempo dos clássicos partidos de massas terminou. Neste contexto, existe algo de visionário no PSD: faz hoje cada vez mais sentido ter uma sede nacional sem porta aberta para a rua.

 

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5 comentários

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    Pedro Correia 21.01.2020

    Isabel, eu tento interpretar a realidade tal como a vejo no presente e procurando relacioná-la com tendências gerais - não apenas com a espuma dos dias, não apenas com o que ocorre em Portugal.

    Como assino sempre o que escrevo e assumo tudo quanto assino, estarei sempre sujeito ao confronto com os factos. Catorze anos consecutivos a escrever na blogosfera, diariamente, colocam-me perante essa contingência. Não apenas na página principal dos blogues mas em todas as caixas de comentários.

    O dilema que coloca, com inegável sentido de humor, tem muito a ver com a realidade deste PSD. Mas não tem apenas a ver com o PSD nem tem a ver em exclusivo com o nosso país, longe disso.
    Está tudo a reconfigurar-se. A um ritmo muito mais acelerado do que imaginamos e do que muitos desejariam.
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    Isabel Paulos 21.01.2020

    Sobre a pulverização partidária poderei estar a confundir o que é ou será com o que deveria ser mas, apesar de algum temor, não estou convencida da inevitabilidade da degradação da democracia em Portugal por contaminação de radicalismos e populismos. Não me esqueço que de há 18 anos alguém de esquerda me anunciar a morte do PS como grande partido de poder, prevendo a ascensão de BE a votações na ordem dos 20%. E de voltar a ouvir semelhante comentário mais tarde.
    Para o melhor e para o pior Portugal é o país do ‘temos que ser uns para os outros’ e isto em política traduz-se por sacrificar a ideologia em troca de uma fatia de poder ou influência (para os eleitos) e de conforto financeiro (para os eleitores). E os arranjos fazem-se ao centro e não nas franjas, pelo que a reconfiguração pode traduzir-se em 'parte baralha e volta a dar' alargando um pouco a influência às franjas. Na esquerda já se verificou. Na direita, a ver vamos se recompõe e se faz esse o caminho.

    Aprecio o facto de assinar tudo quanto escreve nos blogues.
    A minha modesta e antiga contribuição na blogosfera nem sempre foi assinada, apesar de normalmente estar suportada por email aberto com o nome; creio nunca ter feito nenhuma maldade por isso.
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    Anónimo 21.01.2020

    É pá este comentário é mesmo bom. Tipo dinamite, TNT. Um estoiro de miolo, o seu. :)

    V. V
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    Isabel Paulos 21.01.2020

    Dinamite? Nem por isso. Acho até (português) suave. :)
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