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Delito de Opinião

Como vitamina num país de crise em crise

Marcelo Rebelo de Sousa

Pedro Correia, 28.10.21

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Quem receava que o Presidente da República se tornasse figura decorativa, desvirtuando o espírito da Constituição de 1976, enganou-se redondamente. Pelo menos com este titular. Marcelo Rebelo de Sousa acaba de dar outra prova disso: vendo a direita em acelerada convulsão e a esquerda roída por crescentes pulsões tribais, alertou para os riscos de um prolongado impasse político, rejeitou um cenário de pântano e deixou claro que teremos Orçamento do Estado ou eleições antecipadas. Compete aos partidos escolher.

Marcelo Nuno Duarte Rebelo de Sousa, 72 anos, foi reeleito há nove meses, consciente das imensas dificuldades que o aguardam neste segundo mandato. Por eleitores com salários médios cada vez mais próximos dos patamares mínimos, vendo adiado o sonho da “reconstrução” a que ele aludiu no discurso de vitória, em Janeiro. Após obter mais 122 mil votos do que conseguira em 2016. De então para cá, tem usado toda a sua magistratura de influência para atenuar distâncias entre aquele Portugal cada vez mais exíguo da gente realmente próspera e um Portugal povoado de pessoas concretas a quem o rendimento mal chega para cobrir as despesas do mês.

Há quem sobrestime o papel das agências de comunicação na formatação de políticos. A verdade é que nenhuma agência seria capaz de fabricar um candidato com a soma das virtudes mediáticas de Marcelo. O actual Chefe do Estado – que andou quatro décadas a preparar-se para a função que hoje desempenha - não necessita dos préstimos de comunicólogos encartados: basta-lhe a conjugação do instinto político com o talento que até os seus mais empedernidos adversários lhe reconhecem.

Em tempos que convidam à depressão colectiva e ao afastamento entre eleitores e eleitos, ele persiste em fazer a diferença. Com um sorriso aberto, um abraço solidário, uma palavra inspiradora. Sente-se bem na sua pele e não o esconde. Funciona como vitamina num país em que a melancolia é exibida como imagem de marca. Decepcionando quem desejaria ver em Belém um jarrão grave e sorumbático.

«O poder nada é sem autoridade», ensina a Rainha Isabel II. Sabendo bem do que fala: já viu chegar e partir 13 chefes do Governo – Boris Johnson é o número 14. Se a autoridade impera pelo exemplo, o poder vinga pela permanência. Quanto mais o jogo partidário agrava os problemas, mais o Chefe do Estado potencia a solução. Como os antigos zeladores e cuidadores do reino.

Marcelo sempre foi republicano, mas a comparação com a Monarquia não é descabida. Rei ou rainha não necessitam de apelidos "legitimadores". E nome de monarca raras vezes deixa de estar na moda através dos séculos. Basta lembrar os nossos, de Afonso a Manuel passando por Maria.

Mais de cem anos de República deram-nos 19 chefes do Estado. Mas só dois popularizados pelo nome de baptismo: o primeiro foi Sidónio, que Fernando Pessoa crismou de Presidente-Rei; o segundo é o actual inquilino do palácio à beira-Tejo.

Marcelo, apenas Marcelo. Em nome próprio: assim falarão dele os futuros manuais de História.

 

Texto publicado no semanário Novo

25 comentários

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    João Brandão 28.10.2021

    Tirou-me as palavras da boca, como soía dizer-se.
    O único reparo é que o 'jarrão de cristal' é bastante eufemístico.

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    Pedro Correia 28.10.2021

    Lendo todos estes comentadores assumidamente anti-Marcelo, questiono-me sempre onde estarão aqueles que duas vezes o elegeram por maioria absoluta. Na primeira vez contra Sampaio da Novoa, que só conseguiu 22%, na segunda contra Ana Gomes, que apenas obteve 13%.

    Acontece agora com Marcelo o que antes sucedia com Cavaco: só se liam e ouviam vozes discordantes. Dava a ideia de que ninguém o apoiava.
    E no entanto Cavaco teve cinco vitórias eleitorais, quatro com maioria absoluta.

    Isto serve para nos alertar contra a imagem distorcida do país e da opinião pública que nos pode ser transmitida via redes sociais.
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    Carlos Sousa 28.10.2021

    Por isso é que os putos são um zero à esquerda a matemática.
    Quando se consideram maiorias absolutas com 40% de votos, dá nisto.
    Não será melhor fazer as análises políticas com o valor da abstenção?
    É que os abstencionistas, por muito que se queiram ignorar podem virar o jogo a qualquer momento. Veja o caso do PRD do Ramalho Eanes que entrou logo na política com 17% de votos, e o que o tramou foi ter-se rodeado de oportunistas.
    Continuo a dizer, se calhar a crise do orçamento não é bem como os analistas pensam.
    Será que o Costa, reconhecido por todos, como um político extremamente habilidoso, ficou burro de repente?
    O jogo ainda não acabou, talvez o resultado final vá surpreender a maioria dos comentadeiros de serviço.
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    Pedro Correia 28.10.2021

    Somar abstenção a voto é que não faz o menor sentido. Não apenas em termos aritméticos, mas também da lógica mais elementar.
    Abstenção é a antítese de voto. É um não-voto.
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    Carlos Sousa 28.10.2021

    Eu não digo somar abstenção a voto. Eu digo é para entrar em linha de conta com a abstenção quando se está a fazer uma análise às eleições.
    As pessoas só se movimentam quando estão mal e para marcar uma posição. Este tipo de traições vai ter consequências, e neste caso o PCP e o Bloco vão provar do próprio veneno.
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    Pedro Correia 28.10.2021

    Acabo de ouvir Jerónimo de Sousa: «O PCP não se bate por eleições, mas não as tememos.»
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    Carlos Sousa 28.10.2021

    Não as tememos ou já as tememos?
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    Pedro Correia 29.10.2021

    Costa já implora por maioria reforçada ou maioria clara.
    Típico vício de político profissional que há 40 anos não faz outra coisa.
    Receia empregar a expressão "maioria absoluta".
    Isto é meio caminho andado para não a conseguir.
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    Carlos Sousa 30.10.2021

    A Ferreira Leite também diz que sem o PS não há hipóteses de reformas no país.
    Eles dizem muita coisa, se calhar vamos ver é aqueles que se queriam ver livres do Costa ter de o suportar em maioria absoluta.
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    Pedro Correia 30.10.2021

    PS e "reformas" na mesma frase é exercício de humor certamente involuntário de Ferreira Leite.
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    Carlos Sousa 30.10.2021

    É capaz de ter razão, se calhar as verdadeiras reformas só mesmo quando lá estiver o Ventura em ministro da economia ou das finanças.
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    Pedro Correia 30.10.2021

    O PS é o partido das reformas. De tal maneira que até acolheu com aplausos no seu seio antigos ministros da ditadura, como Silva Pinto e Veiga Simão. Têm imensa autoridade para se porem agora aos gritos contra o Ventura.
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    Carlos Sousa 30.10.2021

    Se vamos a olhar para o que dizem as pessoas e não para o que fazem, o que é que podemos dizer do Fernando Alexandre o coordenador da área económica do Rangel que propõe um corte definitivo do 14° mês nas reformas?
    Se as reformas forem essas então venha o Ventura sempre nos divertimos com as palhaçadas.
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    Pedro Correia 30.10.2021

    Típico comentário de quem já entrou na mercearia partidária. Ao som da Trombeta do Rato.
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    Carlos Sousa 30.10.2021

    Lá está você. Já lhe disse que não tenho partido nenhum, tenho é um par de olhos para ver e uma cabeça para pensar e as alternativas que eu tenho neste momento não auguram nada de bom, nem mesmo uma possível maioria absoluta do PS.
    Para mim era preferível o orçamento ter passado, as eleições nos partidos serem feitas com ponderação e não da forma como está a ser; tudo ao molho e fé em Deus. E na questão do orçamento, que se lixe o povo eu quero é ir ao pote.
    Assim como está, pode crer que nem o dinheiro é gasto onde deve ser gasto, nem as reformas são feitas da forma correcta.
    Assim como está só vai originar instabilidade, se você sempre foi contra uma geringonça de esquerda, não vai ser de certeza uma geringonça de direita a solução milagrosa.
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    Pedro Correia 30.10.2021

    Eu não disse que você tinha partido político. Apenas que vai repetindo o argumentário e a narrativa do PS para as próximas legislativas, não sei se já se apercebeu disso.
    Não por acaso, o PS dispara desde já contra o economista-chefe do futuro programa eleitoral de Rangel, que nem sequer venceu eleição alguma, em vez de visar o economista-chefe do programa de Rio. O que não deixa de ser sintomático.

    Concordo consigo em relação ao Orçamento para 2022: teria sido preferível que passasse no parlamento. O que aconteceu foi uma enorme irresponsabilidade.
    Sucede que este chumbo estava inscrito na ordem natural das coisas, sobretudo desde que o BE já tinha chumbado o OE2021 em plena crise pandémica.
    Esta crise poderia ter acontecido há um ano se não fosse o sentido de responsabilidade (e, digamos, de patriotismo) do PCP. Que acabou por pagar um elevado preço nas urnas, em eleições autárquicas, como é sabido.

    Ao contrário do que você escreve, nunca fui contra a formação da geringonça. Pelo contrário, em Novembro de 2015 pronunciei-me aqui mesmo claramente favorável à legitimidade constitucional dessa solução política.
    O Presidente Cavaco Silva andou bem ao exigir um acordo escrito com metas mínimas para garantir estabilidade nessa legislatura. E assim aconteceu, apesar de raras vezes (ou nunca) eu ver-lhe atribuído esse mérito.

    Marcelo não fez tal exigência. E os resultados hoje estão à vista.
    Também é verdade que seria muito mais fácil exigir o tal pacto de legislatura aos parceiros da geringonça em 2015 do que em 2019.
    O que vai seguir-se é uma imensa incógnita. Não tenho dotes de zandinga, portanto não vou pôr-me a adivinhar.
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    Carlos Sousa 30.10.2021

    Eu também não tenho dotes de zandinga mas penso que não é preciso recorrer ao misticismo para dizer que vamos ficar todos muito pior.
    Cá estaremos para ver quem é o maior bruxo, se é você ou se sou eu.
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    Pedro Correia 30.10.2021

    Fique desde já você com esse título. A última coisa que desejo ser é bruxo.
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    Carlos Sousa 30.10.2021

    Eu também não quero ser bruxo mas às vezes até parece que sou, com a pandemia então nem queira saber, acerto mais do que o oráculo de Bellini.
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    Pedro Correia 30.10.2021

    Tem bola de cristal?
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    Carlos Sousa 30.10.2021

    Não, consulto as estrelas.
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    Pedro Correia 30.10.2021

    Em noites como as de hoje não dá muito jeito. Elas andam escondidas.
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    Carlos Sousa 31.10.2021

    Mas eu não consulto as estrelas cadentes, eu prefiro as estrelas ascendentes, brilham mais e têm mais satélites.
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    Pedro Correia 31.10.2021

    Então falta-lhe matéria-prima, de certeza.
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