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Delito de Opinião

Como se os mortos infectassem

Pedro Correia, 02.11.20

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Dia de Finados. Escolhido hipocritamente pelos titulares do poder político como dia de luto nacional enquanto se proíbe a população de prestar tributo aos nossos mortos em grande parte do País. Vamos a caminho dos três mil falecidos só de Covid-19 - fora as outras doenças, entretanto remetidas à clandestinidade, sem cobertura mediática. Muitos dos funerais foram feitos à pressa, sem possibilidade de uma despedida digna, como se houvesse que varrer entulho. Tratando-se, em tantos casos, de pessoas que não tiveram sequer direito a um último aceno dos entes queridos.

Esta inaceitável exclusão prolonga-se hoje, com muitos cemitérios encerrados por decisão das autoridades municipais. Como se fosse impossível visitá-los por turnos, mantendo as distâncias sanitárias e tomando as precauções que conhecemos. Como se os mortos infectassem. Como se honrar a memória dos que partiram fosse um pecado. Como se existir não fosse aprender todos os dias a conviver com o abandono, sabendo que a morte não é só ausência: é também uma presença, por mais discreta que pareça.

Eis-nos, pois, num dia ainda mais triste entre tantos outros por que temos passado neste ano de pesadelo. Leio o que ontem escreveu António Barreto, na sua sábia coluna do Público, e só posso dar-lhe razão: temos «esta sensação temível de que as autoridades correm atrás dos acontecimentos e se limitam a prever o passado». Aturdidas, também elas. E aturdindo-nos a cada medida que vão tomando, de improviso em improviso, navegando à deriva rumo sabe-se lá a quê.

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