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Delito de Opinião

Como por milagre

Pedro Correia, 03.05.17

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Há dias houve um ínfimo mas muito mediático clamor numa fracção da ala bloquista do grupo parlamentar do PS contra a concessão da "tolerância de ponto" decretada pelo Governo aos funcionários públicos a 12 de Maio, dia da chegada do Papa Francisco a Fátima. Pretexto invocado: tal medida fere o princípio da "laicidade do Estado", que andou esquecido na recente Sexta-Feira Santa, feriado obrigatório em Portugal sem um sussurro de indignação daqueles deputados. Como se tal princípio fosse de geometria muito variável. 

Curiosamente, em nenhum momento vi os referidos parlamentares preocupados com uma consequência imediata da mais recente decisão governamental: acentuar a chocante desigualdade registada num país que funciona a duas velocidades - a da administração pública e a da economia privada. Com esta a ter salários mais baixos, jornadas laborais maiores, aposentações mais tardias e sobretudo o espectro do desemprego sempre presente, enquanto vai financiando a primeira, domínio exclusivo das "tolerâncias de ponto".

Devia assim António Costa ter procedido de maneira diferente com alguém que o falecido ex-Presidente Mário Soares afirmava "idolatrar" e a jornalista Teresa de Sousa considera "mais inspirador do que qualquer líder europeu"? Não. Porque este Francisco que está prestes a desembarcar em solo português como peregrino católico não merece menos do que o seu predecessor Bento XVI, que em 2010, quando cá esteve, levou o primeiro-ministro José Sócrates a decretar medida idêntica - alargada aliás à tarde de 11 de Maio em Lisboa e à manhã de 14 de Maio no Porto.

Apesar de eu presumir que alguns deputados socialistas talvez pensem assim, pois em 2013  recusaram subscrever um voto de congratulação da Assembleia da República pela ascensão ao trono de São Pedro do ex-arcebispo de Buenos Aires, primeiro Papa não-europeu em 1200 anos.

Alguns deles, como por milagre, são bem capazes de estar agora com ele em Fátima.

3 comentários

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    Pedro Correia 03.05.2017

    Toda a organização do Estado funciona com regras alicerçadas na tradição. Uma tradição por vezes secular ou milenar.
    A própria designação dos anos, com base na data convencionada para o nascimento de Cristo, contraria o sacrossanto princípio da laicidade absoluta invocado a todo o momento pela vociferante ala bloquista do grupo parlamentar do PS. Essas senhoras e esses cavalheiros, para serem consequentes, não deviam fazer alusão ao ano 2017 (depois de Cristo). Refaçam o calendário, como os revolucionários franceses de 1789. Projecto de lei nesse sentido, já!
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    Luís Lavoura 03.05.2017

    Por coincidência, noto que apareceu recentemente no Economist uma carta de um leitor a pedir para refazer o calendário. Não com base em quaisquer argumentos laicistas, mas com base em simples argumentos de conveniência (é bastante inconveniente e complicado contar os anos "antes de Cristo" às avessas). Seria muito mais conveniente termos um calendário como o judaico, por exemplo, no qual estaríamos hoje próximo do ano 6000. Todos os anos historicamente relevantes teriam num tal calendário data positiva.
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