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Delito de Opinião

Como dar xeque-mate ao lugar-comum

Pedro Correia, 26.09.21

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O lugar-comum é um dos maiores inimigos do jornalismo. Infelizmente, as campanhas eleitorais costumam ser férteis nisto: por estes dias, multiplicam-se os chavões semânticos, com valor jornalístico nulo. E que apenas revelam preguiça mental e um olhar desatento à realidade.

Uma dessas bengalas verbais de que se usa e abusa é “campanha morna”. Eufemismo para evitar dizer-se que quase ninguém acorreu ao encontro do candidato. Ou candidata, como a líder do PAN, que optou por visitar esquilos e cegonhas no Parque Biológico de Gaia. Mesmo sabendo que ali não recolhia votos.

As eleições são autárquicas, mas a cobertura televisiva é feita por jornalistas que andam atrás dos líderes nacionais dos partidos. Que aqui parecem protagonistas do filme errado.

 

A verdade é que muitas acções de campanha não teriam ninguém nas ruas sem a presença tentacular dos repórteres de imagem. De eleição para eleição, os planos vão ficando cada vez mais apertados, evidenciando que arruadas ou comícios pertencem ao passado. Em tempos, um ilustre pensador confessou ter o sonho de ver Portugal transformado na Suíça, onde o desinteresse pela política chega ao ponto de poucos ali saberem quem exerce a função presidencial – sinal inequívoco de que as coisas funcionam, sejam quem forem os protagonistas. Aos poucos, vamo-nos aproximando do cenário suíço. Infelizmente, apenas nisto.

Nenhum repórter que cubra uma campanha eleitoral precisa de dizer que anda morna. Basta exibir as imagens. Foi o que fez a RTP, limitando-se a alargar o plano numa acção promovida pelo PSD no Alto Minho: Rui Rio prometia comparecer mas nem isso parece ter atraído os militantes. Era possível contá-los pelos dedos.

Jornalismo? Claro. Com poucas ou nenhumas palavras. Em televisão, sobretudo, menos é mais.

 

Por vezes não basta mostrar: é preciso interpretar. A SIC soube fazê-lo seguindo António Costa em campanha eleitoral. O secretário-geral socialista deslocou-se a Celorico de Basto, terra adoptiva de Marcelo Rebelo de Sousa. «Temos, mesmo aqui, de entrar num novo ciclo de mudança», disse Costa. Parecia uma declaração banal, mas fazia toda a diferença por estar em território marcelista, onde o PS nunca ganhou. E de não haver memória de por ali ter passado um secretário-geral do partido da rosa.

Despique Belém-São Bento transferido para terras de Basto: eis um confronto nada morno em perspectiva.

 

A história interessante está sempre lá: basta ter olho para vislumbrá-la e arte para narrá-la. Além da indispensável vontade de pôr em prática tais virtudes. Por vezes detecto-a mais nos repórteres veteranos do que em alguns recém-chegados à profissão, que já exibem um ar muito enfastiado.

Um dos veteranos que fazem a diferença para melhor é José Manuel Mestre, da SIC. Acompanhando a caravana socialista, teve este apontamento de reportagem: «António Costa é uma espécie de primo rico que vem de Lisboa com os bolsos cheios.»

Tudo dito numa frase. Sem rodriguinhos nem eufemismos. Dando xeque-mate ao lugar-comum.

 

Texto publicado no semanário Novo

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