Comer (6)
"Müla", em Alvalade, com bênção de Santo António
Arroz de galo e cogumelos Arroz nero com camarão, lula e amêijoa
Ainda existe algum preconceito contra restaurantes situados em centros comerciais. Como tantos outros, também este não tem o menor fundamento. Foi nisto que pensei ao visitar o acolhedor Müla, recém-inaugurado no espaço exterior do centro comercial Alvalade, em Lisboa.
Aludir a espaço exterior parece mero pormenor, mas não é. Faz toda a diferença, um restaurante ter esplanada. Esta é aprazível, numa varanda com visão panorâmica da Praça de Alvalade, a que alguns chamam "praça do Santo António", apontando a estátua do célebre alfacinha que chegou a doutor da Igreja, concebida pelo escultor António Duarte e erguida em Outubro de 1972.
Ignoro por que motivo o restaurante se chama Müla - assim mesmo, à alemã, com trema. Mas tem pelo menos a vantagem de ser um nome que se fixa de imediato. Está colado ao Mercantina, ali existente desde 2013 e que já se tornou referência entre os comensais do bairro, vocacionado sobretudo para comida italiana.
A esplanada, com 40 lugares, é espaçosa. Sem o defeito, frequente em tantos outros poisos, de ter as mesas do lado demasiado próximas da nossa.
Aqui a comida tradicional portuguesa alia-se a sabores sul-americanos, com incursões na culinária espanhola. Havendo aposta deliberada em petiscos, que podem ser apreciados a partir das cinco da tarde.
Já lá fui três vezes - e nunca saí decepcionado, longe disso.
Na primeira, arrisquei bastante para noite de estreia. Optando por um prato que muito aprecio mas raras vezes consumo longe do Alentejo: sopa de cação. Passou no teste, com nota positiva. Pela espessura do caldo, pelo casamento do peixe com os coentros e pelo magnífico pão alentejano que lhe serve de complemento.
Na segunda incursão, decidi-me pelo arroz de galo e cogumelos em forno a lenha com manteiga de tomate seco e queijo da ilha. Imaginativo, ambicioso e suculento: teste superado também. Pela qualidade dos ingredientes e pelo esmero na confecção. A impressão muito favorável consolidou-se na terceira visita, quando experimentei um louvável arroz nero em forno de lenha com camarão, lula, amêijoa, mexilhão e tomate confitado. Respeitando os pergaminhos mediterrânicos que lhe servem de referência e daí rumaram à América de expressão castelhana.
Os gulosos têm boas opções à escolha. Da acolhedora mousse de chocolate com praliné de avelã, azeite e flor de sal ao capitoso cheesecake da ilha, com goibada e bolacha de manteiga queimada - que deve ser partilhado para evitar excessos calóricos. Também a tarte de lima merengada justifica boa nota.
Cheesecake da ilha com goiabada
Enfim, um local a que apetece regressar. Até por ser inspirador de boas conversas. Precisamos de recuperar a arte do convívio, que anda a ser desprezada nesta era em que tantos preferem passar o tempo de olhos fixos num ecrã. Esquecidos de que há mais mundo para além dos dispositivos tecnológicos e daquilo a que erradamente chamamos "redes sociais".
Verdadeira rede social é a que se estabelece em torno de uma mesa.