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Delito de Opinião

Comer (3)

"Nortada", na Praia Grande: paisagem inigualável

Pedro Correia, 05.06.22

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Por estes dias, como creio já ter dito, é muito raro comer fora. Cozinho quase sempre e sem sacrifício algum. Cozinhar tornou-se um dos meus passatempos favoritos. É um desafio que começa antes de me aproximar do fogão: também gosto de elaborar ementas, de preparar os ingredientes, de descobrir novas receitas. É algo que me relaxa enquanto me desafia não apenas na criatividade mas também na precisão: um minuto de diferença, a mais ou a menos, pode estragar um prato. 

Foi este o desafio que lancei a mim próprio ao iniciar-me nestas lides. Jurei jamais recorrer a um restaurante como via alternativa (tenho sete a poucos metros da porta de casa). Comeria sempre o que fizesse, fosse qual fosse o desfecho. Esta exigência pessoal reforçou a necessidade de me safar bem entre caçarolas e frigideiras.

 

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Mas por vezes abro uma excepção. Aconteceu há poucos dias: quis matar saudades de um dos meus restaurantes favoritos. O Nortada, a curta distância da Praia Grande, no concelho de Sintra.

Há uns tempos que lá não ia. Soube-me bem contemplar de novo aquela paisagem inigualável, na sala exterior do restaurante. É cenário que nunca me canso de desfrutar, mesmo em dias de Primavera envergonhada.

Sala espaçosa, desafogada, inundada de luz, com amplas vistas sobre o jardim adjacente e o oceano um pouco mais abaixo. Toalhas de pano - hoje quase um anacronismo. E talheres de peixe, como mandam as boas regras. Serviço irrepreensível.

A nosso lado, um pequeno grupo de italianos fazendo jus à gastronomia lusitana. À mesa, poucos como eles sabem apreciar o que é realmente bom.

 

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Começámos por partilhar uma entrada soberba, só disponível naquele dia: tártaro de atum com manga. Casamento perfeito entre o peixe cru, marinado com sapiência, e o doce fruto tropical. Por ser dia de aniversário, justificava-se a escolha de um vinho especial: veio o Cartuxa, um dos meus brancos de eleição.

Seguiram-se filetes de pescada com arroz de berbigão: polme discreto, sem vestígio de gordura em excesso, confecção apuradíssima da popular gramínea que alimenta metade da população do mundo. Seco, consistente, apaladado. É assim que gosto dele.

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Depois fizemos honras ao polvo assado com batata doce - confesso que raros petiscos me mobilizam tanto como o octópode, que congrega adeptos de norte a sul do país. Tenro e sápido, em perfeita comunhão com a batatinha de Aljezur a que apetece dedicar um hino.

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Aniversário justificava sobremesa: compareceu um magnífico leite creme em massa filo. Para encerrar a refeição com chave de ouro.

 

Despedi-me do Nortada com um "até já". Fazendo votos para que nunca figure num guia Michelin. Prefiro-o assim, sem ceder a padrões alheios, tão avessos à nossa tradição gastronómica e tão propícios a preços que se tornam proibitivos.

Para que possa haver outros dias de celebração como este. Com sol ameno e o mar amigo ali tão perto, num cíclico sussurro de parabéns.

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