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Delito de Opinião

Combater o esquecimento é serviço público

Pedro Correia, 09.08.21

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Uma das missões fundamentais do jornalismo é resgatar do esquecimento factos relevantes da nossa vida colectiva. Alguns destes factos, como no célebre filme de John Ford, vão dando lugar a mitos. Sucedeu isto a propósito das auto-designadas Forças Populares 25 de Abril, organização terrorista que esteve activa já no Portugal democrático. O recente desaparecimento de Otelo Saraiva de Carvalho funcionou como pretexto para avivar a memória já muito difusa daqueles sete anos em que o Estado de Direito permaneceu sob ameaça constante de um grupo armado que assaltava, destruía, feria e matava. Sob a liderança de Otelo, que ao obter apenas 1,5% nas presidenciais de 1980 viu definitivamente derrotado nas urnas o seu projecto de implantar uma “democracia popular”. Na certeira síntese de Ramalho Eanes, coube-lhe então a «autoria de desvios políticos perversos, de nefastas consequências». Como autor moral ou cúmplice de actos de violência extrema, incluindo quase duas dezenas de homicídios comprovados em tribunal.

A RTP destacou-se neste combate contra a desmemória num documentário intitulado Palavra de Otelo. Da jornalista Márcia Rodrigues, com imagem de Hélder Oliveira e edição de Paulo Nunes. Com recurso ao seu rico acervo de imagens, e a uma entrevista feita a Otelo em 1996, a estação pública desvenda-nos aqui fragmentos do complexo retrato do homem que quis implantar em Portugal o “verdadeiro socialismo” com recurso às baionetas. Muito antes de haver FP-25.

No Verão quente de 1975, por exemplo, Saraiva de Carvalho fez esta declaração textual aos jornalistas: «As forças armadas nesta altura estão dispostas a entrar num caminho muito duro, de repressão, que temos evitado até agora. Aqui há uns tempos, disse algumas palavras muito candidamente através da Rádio Renascença dizendo que oxalá não tenhamos de pôr no Campo Pequeno os contra-revolucionários, mas estou convencido de que a curto prazo temos de [os] pôr mesmo. A coisa parece que se está a encaminhar nesse sentido, infelizmente. Vai-se tornando impossível ter uma revolução socialista, na totalidade, por via pacífica.»

Nas últimas décadas de vida, este homem que durante o PREC comandava a mais destacada força de intervenção militar e ordenou centenas de prisões políticas sem mandado judicial, sempre negou ter proferido a frase que Márcia Rodrigues resgatou da poeira dos arquivos. Prestando verdadeiro serviço público.

Notável também, o documentário intitulado FP-25 – Terrorismo Português, que passou numa destas noites na CMTV. Da jornalista Mónica Palma, com edição de Francisco Mata. Aqui dá-se voz às vítimas – às que sobreviveram aos actos de terrorismo naquele Portugal da década de 80, às que sofreram feridas jamais cicatrizadas. Fala-se do filho que aos 17 anos viu o pai baleado na nuca à porta de casa, fala-se de um jovem agente da PJ que deixou viúva grávida, fala-se daquele bebé “contra-revolucionário” que dormia no berço quando foi morto à bomba. Avivam-se memórias anestesiadas pelo esquecimento. Serviço público também.

 

Texto publicado no semanário Novo

 

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