Saltar para: Post [1], Comentários [2], Pesquisa e Arquivos [3]

Delito de Opinião

Combate cultural

Pedro Correia, 16.01.22

lalectura0.jpg

 

Um poema de Semónides de Amorgos acaba de ser proibido na Universidade de Reading, do Reino Unido, devido à sua «misoginia extrema», como alegam os censores, preocupados com o «incómodo» que tais palavras pudessem causar aos estudantes. Parecendo ignorar que o texto foi escrito há 2700 anos. 

Considerado um dos pais da sátira nos estudos gregos clássicos, Semónides chocou as sensibilidades das donzelas do século XXI e dos seus tutores masculinos naquele estabelecimento universitário por ter redigido versos como estes: «Nunca passa tranquilo um dia inteiro / todo aquele que com uma mulher convive.»

Eis quanto bastou para as sinetas da interdição soarem em Reading, à revelia do que deve constituir o verdadeiro espírito universitário, livre por definição e natureza. É mais um triste exemplo da chamada "cultura do cancelamento" que vai fermentando um pouco por toda a parte, com a medrosa cumplicidade dos cenáculos culturais e dos meios de comunicação. 

Maite Rico, ex-subdirectora do El País recentemente integrada nos quadros redactoriais do El Mundo, alude à mordaça agora imposta ao velho Semónides na sua "carta de apresentação" da revista La Lectura, que passa a integrar as edições de sexta-feira do diário madrileno de inspiração liberal.

«Não passa uma semana sem vermos os estragos que vem provocando esta onda de fanatismo neopuritano, com origem nas universidades anglo-saxónicas, que pretende impor pela censura e cancelamentos a uniformidade bem-pensante na academia, na cultura, no jornalismo e na política», escreve a excelente jornalista espanhola. Sublinhando que a nova revista «defenderá o valor da palavra e da liberdade de expressão», frente às «febres identitárias e aos chavões populistas, que usam a chantagem emocional e as queixas para calar quem pensa de modo diferente».

Leio estas palavras, não podendo estar mais de acordo com a linha editorial aqui expressa. E penso como faz falta em Portugal um projecto editorial na mesma linha. Em defesa da liberdade sem adversativas, contra todas as formas de censura - por mais politicamente correctas que se intitulem. Aliás um dos mais urgentes combates culturais tem precisamente de ser feito contra a correcção política. Que multiplica anátemas e tabus, silenciando qualquer opinião que ouse beliscar os novos dogmas.

27 comentários

Comentar post