Com seis meses de atraso
Na semana passada ficámos a saber que Sara Carreira, morta num desastre rodoviário a 5 de Dezembro de 2020, seguia num veículo em transgressão: ia a 128 km/h na A1. Ficámos também a saber que a viatura oficial que atropelou mortalmente o trabalhador Nuno Santos a 18 de Junho de 2021 seguia igualmente em velocidade excessiva: circulava a 163 km/h na A6.
No primeiro caso, ocorrido numa tarde chuvosa e de visibilidade reduzida, ia ao volante o jovem actor Ivo Lucas, namorado da infeliz cantora. No segundo caso, ocorrido num final de manhã soalheira, quem guiava era o motorista às ordens do ministro da Administração Interna. Eduardo Cabrita foi forçado a demitir-se na sexta-feira por mensagem telefónica recebida do chefe do Governo. Com António Costa talvez já esquecido de que em Maio o considerava «excelente».
Ao tomar conhecimento da acusação deduzida pelo Ministério Público ao seu condutor por homicídio negligente, o governante agora afastado tentou lançar culpas para cima da vítima («têm de ser esclarecidas as condições de atravessamento de via não sinalizada») e descartou-se de qualquer responsabilidade alegando que apenas seguia a bordo enquanto «passageiro».
Como se o BMW do ministro fosse um táxi ou ele tivesse apanhado boleia ali à beira da auto-estrada.
Como se os condutores das viaturas atribuídas aos membros do Governo andassem em roda-livre, circulando à velocidade a que muito bem entendem.
Como se o ministro da Administração Interna - condição agravante neste trágico acontecimento - não tutelasse a Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, à qual compete «a aplicação do direito contraordenacional rodoviário» nos termos da lei.
Como se Portugal não fosse um país com um número inaceitável de óbitos no asfalto: 5072 vítimas mortais em desastres rodoviários entre 2011 e 2020.
Como se as estradas não continuassem a ser túmulos para pessoas tão diversas como Sara Carreira e Nuno Santos - desaparecidas cedo de mais pelo motivo de sempre: a irresponsabilidade ao volante. No segundo caso, registou-se também uma chocante irresponsabilidade política: o ministro acabou exonerado com quase seis meses de atraso. Quando devia ter tomado a iniciativa de renunciar ao cargo naquele dia fatídico em que Nuno Santos saiu de casa para nunca mais voltar.