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Delito de Opinião

Colonialismo por meio ambiente

João André, 25.06.18

Trabalho actualmente numa empresa global que vende produtos directamente ao consumidor. A empresa opera em todos os continentes em volumes elevados (é a empresa líder mundial no seu sector) e devido a esses volumes tem também que tratar dos seus desperdícios, inclusive a água residual - é aqui que eu entro.

 

Recentemente, em dois países africanos, as regras de descarga de águas residuais - após tratamento - foram apertadas. Nada de novo ou de pouco esperado, são zonas de difícil acesso à água e com poluição suficiente da pouca água que possuem. O problema é que os limites de descarga foram apertados de tal forma que essencialmente espelham as melhores normas de países desenvolvidos.

 

Até aqui tudo bem. Nas fábricas em países desenvolvidos os nossos sistemas de tratamento de águas residuais está preparados para atingir estes limites onde eles estão em vigor (varia de país para país, estado para estado e até de munucipalidade para municipalidade). O problema é que, como se poderia esperar, quanto mais apertados forem estes limites, mais dinheiro custa o tratamento, o que aumenta os custos operacionais da fábrica.

 

E eis a dificuldade em África ou outros países em desenvolvimento: como pagar este aumento de custos? Nos países desenvolvidos o custo acrescido em termos de €/kg de produto é mais ou menso semelhante aos de África, isto porque as soluções são tecnológicas e os provedores da mesma não conseguem reduzir muito estes custos só à custa de mão de obra mais barata. Como o custo do produto em África é muito mais baixo (em alguns casos estamos a falar de valores 50 vezes mais baixos), será muito mais complicado pagar o aumento de custos. Em alguns casos poderá levar as empresas a simplesmente fechar as fábricas porque economicamente não faz sentido fazer a actualização destes sistemas. Não é o caso da minha empresa, mas conseguiria perceber a racionalidade.

 

Isto leva-me a pensar na forma como os países desenvolvidos acabam por manter os países em desenvolvimento com atrasos estruturais. Os países desenvolvidos foram tendo séculos para ir melhorando sistemas (dos quais o de tratamento de águas residuais é apenas um caso) à medida que as suas economias melhoravam, a tecnologia se desenvolvia e os limites iam apertando pouco a pouco. Muitas vezes estes limites são apertados de valores muito altos (quando os limites existem de todo) para normas essencialmente de primeiro mundo e isto torna-se uma condição para certas ajudas estruturais aos países em causa. Quando isto sucede, não será de espantar que as empresas fujam destes mercados de margens tão curtas.

 

Por um lado desejo o máximo de protecção ambiental (e outras) em países em desenvolvimento, que as suas populações sofrem já o suficiente para terem de lidar com poluição do ar e poluição e falta de água. Por outro lado, colocar tais exigências acaba por garantir que o desenvolvimento económico seja ainda mais lento e aumente o fosso para os países ricos. Conscientemente ou não, torna-se uma nova forma de colonialismo: colonialismo por meio ambiente.

 

Como na esmagadora maioria dos casos, não sei a solução. Eu apenas posso propor soluções e ajudar as fábricas a manter custos baixos. Mas se os países ricos ajudassem a resolver os problemas que criam, isso seria uma excelnte ideia.

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