Civilização
A revista The Economist afirmava na sua capa da semana passada que, em 2020, 80% dos adultos terão um supercomputador no bolso, ou seja, um smartphone. Este número traduz a extensão do processo a que chamamos globalização e que consiste numa vaga particularmente intensa de unificação da humanidade. Não há canto do mundo imune aos efeitos das tecnologias que caracterizam o nosso tempo. As pessoas de hoje inserem-se em redes complexas e sobrepostas, onde se transmitem tremendas quantidades de informação. A internet transformou-se numa imensa biblioteca dominada pela língua franca, o inglês, que talvez acabe por absorver partes de espanhol e mandarim. Nas últimas três décadas foi criada a infra-estrutura que permitirá agora acelerar a mais veloz transformação a que a humanidade já assistiu. O planeta está a unir-se como nunca antes foi possível.
As paisagens urbanas de Blade Runner, o visionário filme dos anos 80, começam a ser relativamente comuns. Já não nos parece estranha a fusão de elementos asiáticos e ocidentais no interior de megacidades com uma profusão de estilos de arquitectura e de raças. A cultura contemporânea é mestiça, consistindo numa amálgama cada vez mais agregada de ideias com diversas proveniências. Vistos a certa distância, todos os processos são de junção, das raças à economia, da linguagem às obras de arte, da gastronomia ao comércio. Está a ser criada a primeira civilização perfeitamente global, onde se aglutinam valores dominantes comuns, e não seria espantoso que dentro de cem anos houvesse uma moeda única planetária, o embrião do governo mundial, até um sistema judicial idêntico para todos os humanos, pois há esboços destes desenvolvimentos, sobretudo na União Europeia que, ao contrário do que muitos pensam, não está em declínio nem a implodir, mas será provavelmente o principal modelo político do futuro.
Claro que há movimentos fundamentalistas, sociedades em fragmentação, Estados falhados, tiranias e autoridade, crises capitalistas, demasiados países sem tolerância para a diferença, mas trata-se de reacções à mudança. Alguns grupos tentam travar o que consideram ser maléfico, contestando a ciência, o humanismo ocidental ou os direitos das mulheres, mas os seus esforços estão condenados ao fracasso: a democracia e a justiça, o consumo, a busca da felicidade ou o casamento romântico são ideias demasiado poderosas, difíceis de arrumar numa gaveta.