Cine-Espanha (4) - B
Quem olhe para a vida política espanhola pensará que o país vizinho se transformou numa enorme cornucópia de onde apenas brotam corrupção e abusos de poder. Os casos surgem no espaço público em catadupa e parecem tocar tudo e todos, da direita à esquerda, da administração central à local, das empresas públicas às privadas. Ainda assim, o tema raras vezes foi abordado pelo cinema que se faz em Espanha, muito menos evocando um caso recente e os nomes nele envolvidos. O filme ‘B’ é por isso uma raridade.
Esta longa-metragem é uma adaptação cinematográfica da peça de teatro “Ruz-Bárcenas”, que esteve em cena no Teatro del Barrio, em Madrid. A história, mas também os actores, passam do palco para o grande ecrã. O guião é uma cópia quase textual das declarações prestadas por Luis Bárcenas, antigo tesoureiro do Partido Popular, numa sessão de inquérito presidida pelo juiz Pablo Ruz. Jordi Casanovas, o autor do texto, afirma não ter mudado uma só vírgula dos diálogos que encontrou na transcrição judicial, tendo apenas encurtado a duração das declarações.
No dia 15 de Julho de 2013, Luis Bárcenas, acusado de branqueamento de capitais e de fraude fiscal, revê afirmações prestadas anteriormente e assume perante o juiz, em plena Audiência Nacional, a existência de uma contabilidade ‘B’, de um ‘saco azul’ no Partido Popular. Na verdade, foi mais longe e implicou directamente no caso altos responsáveis do partido, entre os quais Mariano Rajoy, líder do PP e Presidente de Governo. O homem que controlou as contas dos Populares entre 1990 e 2009 assume então a existência de um sistema paralelo e oculto de receitas e despesas, feito de doações ilegais, de sobresueldos (complementos salariais não declarados), de obras na sede do partido, entre outras actividades que se podem resumir num longo e indecoroso et cetera.
‘B’ não é mais do que isto. O filme decorre na íntegra na sala de audiências e resume-se em grande medida à esgrima de perguntas e respostas entre juiz e arguido. A interacção entre os dois personagens sugere um registo que mistura um Frost/Nixon (2008, de Ron Howard, também uma adaptação de uma peça de teatro) com as clássicas cenas de capa e espada de Errol Flynn. O orçamento, reduzido e em boa parte obtido através de crowdfunding, não permite ao filme grandes distensões de produção, algo que é visível aos olhos do espectador menos atento. Vale a interpretação extraordinária de Pedro Casablanc (Bárcenas), que assumiu o risco de interpretar alguém cuja imagem, sotaque e maneirismos entram diariamente em casa do público pela televisão. É igualmente apreciável a inovação temática, embora se dispense a militância anti-sistema delatada pelas insinuações que resultam de alguns silêncios exagerados e hesitações cirúrgicas de Bárcenas.
De teatro-documentário para cinema-teatro, ‘B’ usa os reflexos entre a ficção e a realidade para criar um filme político, original no panorama espanhol, que ficará na memória pela gravidade e mediatização do caso, mas não tanto pela sua qualidade cinematográfica.
Realizador: David Ilundain
Elenco: Pedro Casablanc, Manolo Solo
Ano: 2015
Prémios Goya: 3 nomeações na 30ª edição dos Prémios Goya (2016) – Melhor Actor Principal, Melhor Actor Secundário e Melhor Guião Adaptado. Não obteve qualquer galardão.