Ciclo de inundações, meteorologia, clima e mais catástrofes
Como será do conhecimento geral, na semana passada a Alemanha, a Bélgica e a Holanda sofreram chuvas intensas que levaram a inundações causando imensos danos e várias mortes. Estas inundações foram bastante intensas também na região onde vivo, sul de Limburg, onde fica Maastricht. Felizmente nada sucedeu no meu caso. O rio Maas subiu bastante, o passeio pedonal alo lado do rio ficou inundado, mas isto é também a intenção da sua existência, dado que existe mais uma barreira antes que atinja a rua. O local onde vivo fica a cerca de 50 metros do rio, mas o único risco que corri foi uma inundação da garagem pública onde deixo o carro.
Não foi assim em todo o lado. Em Maastricht 3 bairros tiveram que ser evacuados por receio de inundações depois de um dique ter ficado com um buraco. Segundo entendo, acabou por não haver problemas e as pessoas puderam regressar a casa depois de menos de 24 horas. Um pouco mais a norte houve outras roturas de diques que causaram inundações de algumas aldeias, onde os danos foram mais substanciais. Perto de Maastricht, em Valkenburg, uma vila muito popular para turismo na Holanda, o rio subiu imenso e inundou parte da localidade, causando danos a muitos cafés, restaurantes, lojas e várias residências.
Claro que isto não foi nada comparado com a Alemanha e Bélgica. Na Bélgica uma amiga teve as águas a parar a 10 metros de casa. Outra família de amigos teve de evacuar por dois dias enquanto esperavam. Felizmente voltaram para casa sem mais que um pequeno filme de água na garagem, sem danos importantes. Na Alemanha, uma colega teve sorte na aldeia onde vive porque tem a casa numa elevação, mas ficou sem água, luz e gás por 3 dias. E foi quem teve sorte, pois vários vizinhos ficaram sem casa. Ela tem agora em casa dela uma família de amigos, incluíndo um bebé de 10 meses, que ficou na prática sem casa, dado que a água rompeu pela parede do 1º andar e levou quase tudo, inclusive os que havia nos quartos. Várias pessoas morreram, presas nas caves e garagens (a tentar salvar pertences) e muitas outras estão desaparecidas (certamente que haverá mais mortes). Outro colega está desde quinta feira a "viver" num pavilhão porque a água atingiu metro e meio no rés do chão e ainda não recuou o suficiente.
E há ainda as muitas pessoas que morreram noutras zonas da Bélgica e, especialmente, da Alemanha. Parte do problema foi que o sistema de prevenção e comunicação não funcionou (as autoridades irão diagnosticar as falhas durante meses) e não se tomaram as medidas necessárias a tempo. Algo que não se pode dizer com certeza é que estas chuvas foram resultado das alterações climáticas. Houve vários aspectos que tiveram que suceder para estas chuvas acontecerem da forma que aconteceram, nomeadamente a acumulação de humidade no ar, a permanência das nuvens sobre uma região deliminatada durante muito tempo, etc, mas é impossível, pelo menos para já, dizer com elevado grau de certeza que estas cheias específicas foram resultado das alteações climáticas (AC) causadas pelo aquecimento global (AG).
Isto é porque certos eventos não podem ser relacionados especificamente com certas causas. Da mesma forma que não se poderá necessariamente apontar uma estrada deteriorada como causa de um acidente (o condutor poderá não tomar atenção, o carro poderá ter travões em mau estado, poderá haver excesso de velocidade e/ou álcool, um acontecimento imprevisto, etc), um evento meteorológico não pode ser apontado como consequência de uma situação climática. No entanto há já muito que se apontam chuvas intensas mais fortes e frequentes (causando inundações) como uma das consequências das ACs. Há várias causas, mas uma delas é que o aumento das temperaturas levará a um aumento evaporaçã e da capacidade do ar para absorver humidade, o que faz com que quando as chuvas sucedam, sejam mais intensas. Este mês de Junho foi o mais quente na Holanda desde que há registos.
Aquilo que esta situação está a fazer pensar é que as consequências que os cientistas previram para começar por meio do século XXI não estarão já a aparecer. Sejam estas chuvas na Europa, sejam as ondas de calor na América do Norte e norte da Rússia. Isto poderá indiciar que o complexo sistema que é o clima da Terra já estará desestabilizado o suficiente para causar já eventos extremos. Isto é algo que é comum ver em sistemas complexos, sejam eles de que tipo forem. Quanto maior for o sistema, maior pode ser a variação em relação ao ponto equíibrio quando este desaparece. Isto poderá estar agora a acontecer. Durante muito tempo, os oceanos absorveram grande parte do calor e do CO2 que foram gerados pela nossa actividade. Se atingiram a sua capacidade máxima de absorção, a energia poderá agora estar a ser libertada novamente e, se isso suceder, teremos talvez os chamados feedback loops em que cada nova consequência poderá ampliar o problema (exemplo: derretimento de permafrost na tundra canadiana ou siberiana libertando metano que vai exacerbar o efeito de estufa).
Vi várias vezes duas opiniões qeu acabam no mesmo: i) que a catástrofe deveria ter sido evitável, e ii) que estas situações não deveriam acontecer em países desenvolvidos (como Alemanha, Bélgica e Holanda). Que a catástrofe poderia ser evitável, parece claro. Acidentes podem sempre aocntecer, mas melhor coordenação evitaria pelo menos a perda de vidas e talvez muitos dos danos. Já que estas situações não deveriam acontecer nos países desenvolvidos é mais complicado. A Natureza acaba sempre por poder sobrecarregar quaisquer medidas que tomemos. A Holanda, mesmo com a sua maravilha de engenharia que são as Deltawerken, poderá um dia ser esticada para lá do seu limite. Não é preciso ir para o Burundi ou as Honduras para descobrir desastres naturais. E, co o caminho que o planeta está a seguir, esses serão cada vez mais parte do dia a dia.