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Delito de Opinião

Chutado borda fora

Sérgio de Almeida Correia, 19.01.22

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Quando há menos de um ano foi apontado como Chairman do Credit Suisse Group, poucos imaginariam que o percurso profissional de António Horta-Osório seria quebrado de uma forma que tem tanto de abrupta como de humilhante. Pelo que aconteceu, mas também pela repercussão internacional da sua saída (New York Times, WSJ, BBC, Reuters, Bloomberg...).

O banqueiro é um dos raros portugueses cujo trabalho, empenho e competência o projectaram para o topo da sua área profissional a nível mundial, o que lhe valeu múltiplos encómios, dentro e fora de casa. A relação dos prémios e condecorações que lhe foram conferidas é por isso mesmo impressionante, e até a honra de ter sido feito Cavaleiro da Ordem do Império Britânico, passando a ostentar o título de “Sir”, lhe foi outorgada pela Rainha Isabel II.

Tal só se compreende, ademais, porque os serviços prestados à sociedade foram de um nível de excepção e só ao alcance de muito poucos, sendo certo que o seu grau de exigência, cometimento para com a obtenção de resultados e sentido do dever o impulsionaram para tal.

Naturalmente que tudo isso foi obtido, para além do seu próprio esforço e aptidões, com o contributo de todos os outros que compuseram as suas equipas e o ajudaram a atingir tão elevado patamar. 

Tudo isso torna ainda mais incompreensível a forma como se deixou apanhar em pecadilhos, ou talvez sejam mais do que isso, que aqui e ali foram manchando o seu percurso, a sua credibilidade e a sua reputação. O que de bem, excelente e extraordinário por si foi conseguido, todavia, continuará registado.

Não obstante a sua actual dupla nacionalidade, é e foi o facto de ter saído de um país pequeno, remediado e periférico, e que por isso mesmo teve de enfrentar barreiras e preconceitos que pouparam muitos dos seus pares, que mais motivou a atenção dos outros e deu luz ao seu êxito.

Compreende-se por isso que quem tivesse lido a edição de ontem, 18 de Janeiro, do Financial Times não poderia deixar de ficar impressionado com o espaço que foi dado a Horta-Osório e à sua saída do Credit Suisse.

Com fotografia e chamada à primeira página, depois com uma coluna na página 5 (Horta Osório quits C Suisse over Covid rule breach, de Owen Walker), mais dois terços da página sete, ocupando toda a parte superior (“Torquemada”of Credit Suisse makes his fate, de Owen Walker e Stephen Morris), a que se juntam um artigo de opinião de Brooke Masters, na página 17 (Horta-Osório’s departure is the revenge of revenge of the rank and file), e uma nota na página 18, na secção Lex (C Suisse/Horta-Osório:Wimbledon test fail), a demissão do banqueiro tinha tudo para não passar despercebida.

Algumas das frases que se podem respigar da leitura dos textos que referi não deixam margem para dúvida sobre os erros que lhe são apontados, agravados pela forma como escolheu comportar-se aos olhos de terceiros – “Horta-Osório was known as Torquemada — after the Castilian friar who led the Spanish Inquisition — for the zeal with which he held people to account.”; “(…) he was imperious and self-satisfied, particularly after he was knighted over the summer for his work at Lloyds. Many at the bank were heartily sick of him even before the Covid revelations.”; “He is leaving his mark — in exactly the wrong way.”.

E tudo para quê? Para acabar pedindo desculpa, uma vez mais, saindo pela porta pequena, acusado de desrespeitar regras básicas, desvalorizando condutas próprias que a outros exigia, esquecendo-se de quem era e do que representava, deslustrando a confiança por tantos depositada e o respeito conquistado ao longo dos anos.

Se Horta-Osório fosse um bandalho ou um criminoso sem escrúpulos, como se revelaram alguns dos seus pares e muitos dos que nos governaram e governam, ou um tipo desprovido de educação, ética ou valores; se fosse alguém que não tivesse alcançado com mérito tudo o que obteve; que necessitasse de algo que impreterivelmente lhe fizesse falta, ou se padecesse de alguma tara, ainda poderia, embora com dificuldade, compreender certos comportamentos. Mas não foi o caso.

E é isso que a mim, simples mortal, que diariamente prossigo um combate cada vez mais solitário pela valorização pessoal, pela crença no outro, pela integridade, pela decência, pelo direito de todos ao mérito e ao sol, mais confusão me faz.

Saber o que pode levar um homem com a inteligência, o brilho e o estatuto de Horta-Osório a falhar tão clamorosamente, em questões tão corriqueiras e que se teriam por adquiridas para qualquer cidadão, dando cabo de um passado notável no intervalo entre o riscar de um fósforo e o eclodir da chama, será sempre para mim motivo de reflexão e permanente interrogação.

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