Chalana, o Gentil Gigante
Chalana, ídolo dos vizinhos ali de Carnide, foi um jogador extraordinário. naquele genial jeito jongleur, e se houve um Garrincha português foi ele - tudo sublinhado pelo estilo pessoal, naquela bigodaça, e também na peculiar personalidade tão tímida, contrastante com a monumental exuberância em campo - que convocava universal simpatia. E mesmo que jogando no clube rival - ao qual chegara oriundo daquele alfobre benfiquista que era o Barreirense de então, onde naquela era os encarnados iriam também buscar Araújo, Frederico e Carlos Manuel - dele fui grande admirador, naquele encanto devido aos Artistas.
Chalana era único, enorme, o jogador "alegria do povo", e naquela era ainda de poucas transmissões televisivas e sem internet espantou o mundo no magnífico Euro-84. Tanto brado deu que o Benfica não conseguiu segurá-lo e - a troco da quantia necessária para o fecho do "terceiro anel" da Luz - ele partiu para França, então destino mítico do emigrante português, onde foi infeliz, num calvário de lesões.
Tive ocasião de o conhecer pessoalmente, num breve contacto. Em 2006 o Benfica cessou contrato com Ronald Koeman e Chalana foi, como treinador principal interino, a Maputo para um torneio quadrangular de fim de época, comandando uma equipa de reservas e jovens. Antes dos jogos a delegação benfiquista foi à Escola Josina Machel (o antigo Liceu Salazar, na denominação colonial), sita no centro da cidade. Não resisti e fui lá ver a reacção dos miúdos. Estes estavam esfuziantes por ver os “ídolos” e nas instalações da escola congregaram-se mais de mil miúdos ululantes, num verdadeiro triunfo para aquela comitiva.
À saída, rumo aos autocarrros estacionados perto do célebre Hotel Cardoso, cada um dos jogadores fora rodeado de dezenas de miúdos, em busca de autógrafos, sorrisos, uma palavra, um "estar perto" que fosse. E era óbvio que entre aquela petizada ninguém conhecia Chalana - que fora, e sem demérito por nenhum atleta - muitíssimo melhor jogador do que qualquer daqueles ali deslocados. Assim saía ele descansadamente, olhando sorridente aquela azáfama toda. Não resisti, aproximei-me, aproveitei para me apresentar, "Zé Teixeira, adepto do Sporting e seu grande admirador e muito lamento que a miudagem não o conheça" e ele riu-se, até um bocadinho atrapalhado e expressando que era normal, nada mais do que isto do "passar do tempo". E ali ficámos um pouco à conversa, no passeio defronte ao Museu de História Natural. E nesses breves minutos, menos de um quarto de hora, deu-me para perceber que o Artista era um homem gentilíssimo. E interessado pelo circundante, bem para além do futebol, pois logo indagando sobre Moçambique, a situação, a pobreza local, mas também sobre mim, como ali me corria a vida, como se adaptava a minha família, etc. Uma atenção pelos outros, coisa tão rara entre os inúmeros patrícios ali visitantes - que quando chegados a Maputo sempre se desdobravam em avaliações apressadas sobre o que acabavam de conhecer e, quantas vezes, discorriam sobre si mesmos e o que ali estavam para fazer, como se fossem realmente significantes.
Um Senhor, na sua modéstia, parecendo até que se desculpava de ter sido um Gigante. Um Gentil Gigante, literalmente. Fiquei dele ainda mais fan...
(No seu sexagésimo aniversário, sendo já público o seu delicado estado de saúde, deixei em blog uma bem humorada "hommage à Chalanix").