Centro Do Sumiço
Ao meu amigo João Távora parece não aborrecer excessivamente que tanta gente esteja a dar à sola do CDS. “O anúncio da morte do CDS foi um manifesto exagero, daqueles que receiam uma direita civilizada e afirmativa na corrida ao poder. Prefeririam sempre concorrer com palhaços inconsequentes. Será que chegou a nossa vez?”, diz ele.
Aparentemente, estes palhaços inconsequentes foram boa parte dos eleitos pelo CDS, e entre eles Portas, o Némesis da corrente do CDS que João Távora integra.
Diz isto e já tinha explicado: “A propósito do mau perder de Adolfo Mesquita Nunes e de outros reputados militantes que agora fogem como ratos: ando há 14 anos minoritário no CDS onde fui obrigado a engolir os mais vis insultos e truques regimentais da malta do Portas para me calar. Nunca desisti de lutar”.
Já eu do CDS fui um militante distante até ao dia em que o partido apoiou Marcelo, passo que achei justificava passar-me ao fresco. As minhas razões expliquei-as publicamente e com elas, que me apercebesse, ninguém se afligiu, como aliás esperava: à vida interna do partido nunca liguei pevas e das raras vezes em que assisti a reuniões partidárias que não fossem no âmbito de comícios ou jantares fiquei pasmado com o nível, por demais pomposo e fastidioso, das intervenções. É assim em todos os partidos, ao que sei: a carne para canhão do activismo precisa volta e meia de orar, faz parte. Mesmo assim, nas últimas eleições fiz, como costumo fazer a benefício da minha empregada doméstica, que carece de conhecer a minha opinião para formar a dela, e da minha dúzia de seguidores, a recomendação habitual – votar CDS.
No CDS não se estava mal: a corrente democrata-cristã, designação elevada para social-democratas que vão à missa e supõem que nas encíclicas papais se encontram preciosos ensinamentos de governança; a corrente conservadora, isto é, thatcherista ou gaullista, bastante eurocéptica a um tempo e posteriormente euro-resignada; a corrente liberal, em geral composta de gente cujos modelos de raciocínio não deixam espaço para preocupações geo-estratégicas ou nacionalistas – tudo compunha um quadro de tolerância necessária, cujo cimento era a sobrevivência do partido e o contributo, ainda que ancilar, para soluções de governo que revertessem o estatismo sufocante que é uma das marcas de água do abrilismo.
Fora dos partidos, há a posição niilista dos que, por não encontrarem em lado nenhum a tradução partidária exacta do quadro de opiniões preciosas que lhes ornam as mentes esclarecidas, se abstêm; há a posição superior daquelas pessoas que, constatando que os partidos são máquinas de conquista e manutenção de poder cujos processos desprezam, se mantêm longe; e há os que, constatando que a acção individual de militantes anónimos pouca ou nenhuma importância tem no curso das coisas, dão o seu contributo unicamente na mesa do café, ou nas redes, onde peroram desconsoladamente sobre as insuficiências da democracia.
Mas, felizmente, havia militantes partidários, no CDS como nos outros partidos. E como, pela natureza das coisas, estes pertenciam a todas as direitas, visto que os restantes partidos eram de esquerda (o PSD, pelas razões que adiantei num dos textos lincados acima, só aparece reactivamente como de direita num país onde, por razões históricas, o espectro partidário está deslocado para a esquerda) a tolerância era necessária por razões de massa crítica.
Esta tolerância interna fraquejou sempre que a liderança foi de forma excessivamente incisiva marcada por uma das correntes. O negregado Portas sempre teve internamente inimigos, mas sempre teve o cuidado de permitir a ascensão a deputados, podendo impedi-lo, a corifeus das correntes internas depositárias, na opinião delas, do segredo do verdadeiro CDS, incluindo nesta tolerância José Ribeiro e Castro, que inapelavelmente derrotou.
O mesmo Ribeiro e Castro não se cansa de explicar (embora não seja fácil apurar, nos seus textos convolutos, o que realmente está a dizer) que o CDS do futuro é papista, ainda que no nevoeiro argumentativo fique por perceber se estamos a falar de S. João Paulo II ou do papa Francisco. E o que isto na prática significa é que os liberais fazem bem em ir lá para a capelinha deles e, presume-se, os indignados e raivosos sortidos para o Chega!. Assim depurado, e forte da sua reganhada consistência, o eleitorado, a prazo, fluirá.
Este CDS que nasceu no último Congresso, na ressaca do descalabro eleitoral de Assunção Cristas, quer curar as feridas do desastre, para o que entende que doses cavalares de intransigência (para dentro; para fora alojar-se numa barriga de aluguer não causa engulhos) são a cura indicada, visto que a derrota é atribuída aos ziguezagues doutrinários e tácticos da líder que se demitiu. A mesma que em fins de 2017 tivera em Lisboa, para a edilidade local, um resultado notável. Bem sei que são lisboetas, coitados, mas quand même: que se terá passado para uma tão grande queda de popularidade?
O que se passou foi a envolvência: havia mais palhaços na cidade, e eram eles a IL, o Chega! e o aparente sucesso da fórmula geringôncica – a mesma que agora se finou.
O que tudo deveria recomendar prudência: os vencedores de hoje são os derrotados de amanhã, a IL merece crescer mas nunca explicou como vai cortar na despesa pública, e o Chega! parece-se excessivamente com um furúnculo que, como é sabido, incha, desincha e passa. De modo que, travessia do deserto por travessia do deserto, não conviria abater cavalos, nem deitar fora os cantis da água que não seja puríssima.
Lobo Xavier, um senador que apoiou a eleição de Francisco Rodriguesdos Santos, tem muitas qualidades e muitos defeitos e eu, fiel às minhas pechas, nunca falei dele senão para o crucificar. Mas de falta de lucidez sobre ganhos e perdas é que não sofre. Pois diz: "Saem os melhores e ficam alguns dos piores", do que conclui: “Não tenho nenhuma vontade de aconselhar voto no CDS”.
Se eu fosse amigo das pessoas da Direcção do CDS como sou do João, dir-lhes-ia o que lhe digo a ele: De que te serve ser maioritário numa casa em ruínas?
E, é claro, a menos que um raio caia no Caldas e ilumine aquelas cabeças que se tomam por brilhantes e as leve a encontrarem uma solução para a sangria, com o meu voto, o da minha empregada e o dos meus doze leitores fiéis é que não contam.