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Delito de Opinião

Censura há em Portugal, não na Rússia...

Vinte assinam dezassete parágrafos sobre a guerra sem condenar Putin

Pedro Correia, 04.04.22

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Os vinte signatários de uma carta aberta publicada no Expresso proclamando-se «pela paz contra a criminalização do pensamento» perderam uma excelente oportunidade de contrariar a legítima dúvida de quem os imagina equidistantes entre vítimas e verdugos na trágica guerra da Rússia na Ucrânia. Podendo até especular-se se manteriam tal equidistância em conflitos de outra natureza e noutras esferas.

Não faltará mesmo quem questione se, com posições públicas como esta, não estarão a beneficiar o agressor.

Li com atenção a missiva, assinada por figuras como Boaventura Sousa Santos, Isabel do Carmo, Viriato Soromenho Marques, a advogada Carmo Afonso, o economista João Rodrigues e um brigadeiro-general que há um mês apareceu na televisão a balbuciar isto: «Agora o mau é o Putin... por amor de Deus! (...) Quando o puseram num beco sem saída, o que é que ele fazia a seguir? Tinha de atacar a Ucrânia, obviamente.»

 

Nos dezassete parágrafos que escreveram não há uma só frase de condenação expressa e explícita a Vladímir Putin, que mandou invadir um país vizinho contrariando todas as suas promessas em contrário e violando princípios básicos da legalidade internacional e da convivência civilizada entre as nações.

Nos dezassete parágrafos que escreveram não há uma só frase de solidariedade concreta ao povo flagelado por esta guerra de agressão que já provocou o maior número de refugiados no continente europeu desde a II Guerra Mundial, com cerca de dez milhões de ucranianos - um quarto da população do país -  forçados a abandonar lares e haveres.

Nos dezassete parágrafos que escreveram, nem uma palavra de repúdio pelas atrocidades cometidas pelas forças armadas russas - maior potência nuclear do globo - em solo ucraniano. Nomeadamente a chacina praticada em Mariúpol - cidade-mártir, como bem lhe chama a imprensa internacional - naquilo que constitui óbvio crime de guerra.

 

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No meio desta barbárie - concreta, palpável, sangrenta - ei-los afinal preocupados com «a criação de um ambiente tóxico, em muitos casos vinculado e estimulado por meios de comunicação social e por responsáveis do poder político, de hostilização, desacreditação pessoal e intimidação de todos os que não sigam a cartilha de uma opinião que se arvora ao estatuto de pensamento único». Ousando até afirmar que existe uma «deriva totalitária» no espaço comunitário europeu.

O terrífico cenário que descrevem é o que melhor se aplica ao existente na Rússia, onde vigoram medidas repressivas sem precedentes neste século e em que até a simples exibição de uma folha de papel, em silencioso protesto contra a guerra, dá direito a detenção na via pública. Porque também os russos, tal como os ucranianos, estão a ser vítimas das pulsões totalitárias de Putin. Mas este nome é cuidadosamente omitido na referida carta aberta subscrita pelos vinte vultos da academia civil e militar, das artes, das leis, das letras e do jornalismo.

«O poder político sente-se proprietário das formas de pensar» e começa a desenhar-se uma «criminalização do pensamento». Dir-se-ia que estão a escrever sobre a Rússia. Engano: estão a escrever em Portugal sobre Portugal. Um país onde todos os signatários têm acesso permanente ao espaço mediático e alguns até pontificam nele há longos anos.

 

Falando em jornalismo - e sendo a carta subscrita por seis personalidades que exercem ou já exerceram o jornalismo, incluindo uma romancista duas vezes galardoada com o Grande Prémio de Romance e Novela - apetece questionar por que motivo tanta gente qualificada no ofício da escrita foi capaz de produzir um texto em que se lê a seguinte frase: «Esta é uma situação em que o Tribunal Constitucional deveria reverter de imediato.» E que exibe vírgula entre sujeito e predicado noutro trecho: «Os que pensam contra a corrente, (sic) são obje(c)to de escárnio, desacreditação social e pressões.»

Esta escrita tão canhestra terá sido proporcionada pelo «ambiente público de crescente intolerância, censura e perseguição ao outro» que dizem vislumbrar não na Rússia mas em Portugal?

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