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Delito de Opinião

CDS

José Meireles Graça, 27.10.22

Na IL conto não poucos amigos por proximidade ideológica, e destes alguns também pessoais. A Carlos Guimarães Pinto junto admiração porque cansou-se de, anos a fio, tecer considerações em blogues e redes sociais, tendo dado o salto (aliás com brilhantismo) para a política partidária, passo certamente mais difícil do que prosseguir uma carreira profissional que a actividade política não é ou, quando seja e não havendo corrupção, inçada de inconvenientes.

Quem vai para a política partidária abdica de uma parte da sua liberdade: os partidos são máquinas de conquista e manutenção de poder e isso não é compatível com dizer-se o tempo todo o que realmente se pensa porque se podem afastar uns eleitores sem cativar outros, criar fracturas irremediáveis dentro do próprio partido, ferir estratégias de alianças, e ainda porque com frequência se mostra necessário ceder e recuar no acessório para preservar o essencial.

Se o partido for um de poder (e que lá esteja ou pareça vir a estar) tem lugares para distribuir e isso coloca uma surdina na dissenção. Se não for, ela vem de divergências doutrinárias, que umas vezes agravam e outras simplesmente recobrem ambições de protagonismo, mais virulento se houver disputa de lugares elegíveis, por exemplo de deputado. E como raras são as pessoas, e por maioria de razão os políticos, que sejam tão boas como se julgam, fica aberta a porta a umas guerrilhas invariavelmente ácidas, e invariavelmente enjoativas.

É isso que se está a passar na IL, com contornos que ignoro (por exemplo, que diabo leva o líder a afastar-se, conservando todavia o seu lugar no Parlamento, o que é que realmente separa os candidatos a substituí-lo, e por que razão CGP não é candidato), e é um filme já visto in illo tempore no CDS.

In illo tempore, digo: Entre liberais e conservadores, ultramontanos e wokes, europeístas fanáticos e nacionalistas passadistas, sem esquecer detentores da marca registada da verdadeira democracia cristã, nunca houve falta de motivos para manobras e facadas. Faz parte e é por vezes espectáculo divertido ver egos insuflados, Mirabeaux de aldeia, ideólogos de mesa-de-café, oportunistas sortidos e aparelhistas incidentalmente com notórias dificuldades no domínio da gramática e do senso.

Ninguém acha que com esta convulsão a IL tem alguma coisa a ganhar, mas ela tem o selo da inevitabilidade: os partidos na orla do poder são lugares intranquilos. E de dissensões ideológicas é bom nem falar, que liberalismos há alguns, completos com o breviário de receituários diferentes e todos servidos de gurus citáveis, sendo que ficam de fora questões que não são predominantemente de ordem económica, onde a margem para divergências é ainda maior.

A IL pescou, pela sua natureza, sobretudo no CDS e no PSD, além de na abstenção (por ser novidade); e o outro partido de direita, o Chega!, recrutou no mesmo campo, além de no dos indignados virtuosos e sumários – quando houver dissensões sérias serão furibundas, que por lá doutrina e consistência não há muita mas a agressividade sobra.

Em suma: seria possível imaginar um país, que não é o nosso, em que o espectro partidário fosse do Chega! até ao PSD, as várias declinações de marxismos clássicos (como o PCP) ou reciclados em bandeiras de causas progressistas (como o BE), ou ainda o mastodonte do conúbio com o capitalismo dirigido (como o PS e, em parte, o próprio PSD) reduzidos à condição de seitas. O que temos, porém, é um país solidamente ancorado à esquerda, o que aliás explica que, não obstante a chuva de milhões sem precedente histórico salvo talvez o ouro do Brasil, o país esteja teimosamente na cauda do desenvolvimento – de onde os novos partidos o querem tirar, em particular a IL, que tem para esse efeito um programa mais consistente, que todavia retoma escopos já defendidos há muito e que frequentemente imagina inovadores.

Julgaram que fazer melhor do que o velho CDS era não apenas possível mas relativamente fácil e um partido novo, por o ser, ficava ao abrigo das vicissitudes que, aqui e em toda a parte, regem as vidas dos partidos.

A experiência está a mostrar que não é assim. Donde, a alegada morte do CDS talvez tenha sido uma declaração precipitada. Felicito-me por não andar a correr atrás das gajas novas no povoado e me conservar fiel a amores velhos – a experiência sobreleva-se bem a alguns atavios.

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