Catarse
Esta foi, sem dúvida, a Via Sacra mais triste a que assisti, com a Praça de São Pedro quase vazia, apenas se encontrava lá um pequeno grupo de pessoas, à volta da cruz, que era carregada à vez, como de costume; o papa Francisco assistido por um único sacerdote.
E, no entanto, apesar de toda a angústia e das lágrimas a rebentar, adorei. Foi a Via Sacra mais triste, mas também a mais bonita. Estarmos a passar por este momento tão difícil, de medo e de revolta, ajudou-me a identificar-me melhor com o sofrimento de Cristo. Foi gratificante, uma espécie de catarse.
Nos últimos tempos, nos destaques dos blogues-Sapo, deparo com posts a dizer que não temos direito a estarmos chateados, revoltados, tristes e a termos medo. E eu pergunto-me: mas é preciso escrever coisas dessas? Porque têm tantas pessoas vergonha desses seus sentimentos? Porque pensa tanta gente que é egoísta estar triste e sem ânimo? A nossa vida modificou-se da noite para o dia. Perdemos a nossa liberdade, não podemos visitar pessoas de quem gostamos, vamos fazer compras angustiados, a pensar na melhor maneira de evitarmos contágio, deixámos de ir a restaurantes, a cafés… Não são estas razões suficientes para andarmos tristes e revoltados?
Sim, há sempre quem sofra mais. Sim, há sempre quem precise da nossa ajuda. Mas ninguém é de ferro. Todos nós precisamos de recarregar as baterias, não podemos ser fortes, destemidos e estar disponível para os outros o tempo todo.
Aristóteles falava da catarse como uma "purificação" sentida pelos espectadores durante e após uma representação dramática; na psicanálise, ela é usada para designar a libertação de emoção ou sentimento que sofreu repressão. Nós precisamos desses escapes, precisamos de momentos em que admitimos a nós próprios tudo aquilo que não desejamos admitir.
Assistir à Via Sacra de ontem foi uma catarse, a tal purificação, o tal escape, que nos ajuda a fazermos as pazes com o mundo, por mais deprimente que ele se nos apresente.
Boa Páscoa!