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Delito de Opinião

Catalunha: o desafio separatista

Pedro Correia, 22.09.17

Aqueles que do lado de cá aplaudem sem reservas a deriva separatista catalã, mescla da burguesia nacionalista com a extrema-esquerda vociferante nas ruas e nos media, apontam o dedo ao suposto "défice democrático" espanhol. Acontece que o regime constitucional que vigora em Espanha tem mais sólidos alicerces democráticos do que o nosso. A Constituição do país vizinho resultou não apenas da eleição de uma assembleia dotada de poderes constituintes a partir do sufrágio universal, tal como entre nós, mas foi também ratificada em referendo nacional, ao contrário do que sucedeu com a lei fundamental portuguesa, jamais referendada.

Na Catalunha, região que dispõe dos mais amplos poderes descentralizados de que há registo no quadro político europeu, também os seus dois Estatutos Autonómicos foram submetidos ao voto popular. O primeiro em Outubro de 1979, o segundo - versão actualizada e muito modificada do anterior - em Junho de 2006.

 

Nos últimos 40 anos os catalães foram 35 vezes às urnas. Têm os órgãos políticos que escolheram livremente, sem constrangimentos. Em eleições locais, autonómicas, nacionais e europeias, além dos três referendos já mencionados. Gozam do maior nível de autonomia em toda a sua história. Têm representantes nos órgãos estatais (Congresso, Senado) e no Parlamento Europeu.

O Executivo da Catalunha só não tem capacidade jurídica nem política para convocar pseudo-referendos, à margem da Constituição e do Estatuto que os seus membros juraram cumprir. Porque isso colide com a legalidade democrática e transgride o mandato obtido nas urnas. Como aliás ditou o mais recente acórdão do Tribunal Constitucional, que considerou ferida de nulidade a iniciativa plebiscitária de Barcelona, interdita na lei fundamental do Estado espanhol, também sufragada na Catalunha.

De resto, tal plebiscito seria sempre questionável em diversos planos. Não só por falta de fundamento constitucional mas também por ter sido convocado sem universo eleitoral definido, sem cadernos eleitorais credíveis, sem a possibilidade de uma campanha livre e justa nem condições mínimas para o exercício do contraditório. Num contexto de insulto permanente a todos os catalães que ousam pronunciar-se contra a suposta independência - como aconteceu há dias ao grande escritor Juan Marsé, apodado de "traidor"  pelas patrulhas separatistas.

 

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De resto - há que dizê-lo com clareza - os independentistas não conseguem sequer mobilizar para a sua causa pelo menos 51% da opinião pública catalã. O que aliás seria manifestamente pouco. Não há semi-independências: ou há independências por inteiro, com o apoio de pelo menos três quartos da opinião pública interna, ou não há.
Em Julho, segundo o instituto oficial de sondagens da Catalunha (CIS), havia 49,4% de eleitores contrários à independência e apenas 41,1% pró-secessão. Acontece que o Governo catalão, iludido pelos estribilhos panfletários anti-Madrid, desistiu de representar a maioria dos seus cidadãos, cuja opinião jamais se reflecte nos meios oficiais de comunicação autonómicos, rendidos à propaganda nacionalista.

 

Qualquer declaração unilateral de independência colide com o princípio da legalidade democrática, plasmado na Constituição espanhola e no Estatuto da Catalunha, os dois documentos que conferem estrutura jurídica aos órgãos políticos catalães.

Não por acaso, a sentença do Tribunal Constitucional merece o respaldo de três dos principais partidos políticos espanhóis (o PP, do primeiro-ministro Mariano Rajoy, o PSOE e o Cidadãos), que somaram quase 70% dos votos nas legislativas de Junho de 2016.

Tal como o conservador Rajoy, também o socialista Pedro Sánchez e o liberal Albert Rivera recusam a fragmentação de Espanha. Um Governo nacional que aceitasse hoje o independentismo unilateral na Catalunha estaria confrontado com pressões centrífugas amanhã no País Basco, depois de amanhã nas Baleares, no mês que vem na Galiza, para o ano em Aragão e no País Valenciano, depois nas Canárias, a seguir em Navarra, talvez na Andaluzia, etc. Seria o suicídio político do Estado espanhol, potenciando uma vaga de conflitos sem fim à vista.

Seria também uma péssima notícia para a Europa, pelo precedente criado. E em particular para Portugal. Não esqueçamos que Espanha é o nosso principal parceiro comercial: para lá exportámos mais de 16,2 mil milhões de bens e serviços só em 2016. Uma Espanha mergulhada em conflitos políticos e convulsões sociais será fatalmente uma Espanha em crise económica. E há reflexos inevitáveis de um país em crise no comércio externo. A política não se alimenta apenas de evidências geográficas ou condicionalismos históricos: depende muito dos circuitos económicos, que hoje nos tornam parcelas do mesmo arquipélago. Diga a retórica soberanista o que disser.

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