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Delito de Opinião

Catalunha: mitos e factos (2)

Pedro Correia, 20.12.17

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Nestes dias de campanha eleitoral, tenho ouvido e lido os maiores disparates sobre a Catalunha. Proferidos por gente manifestamente ignorante que só agora acordou para esta questão, juntando-se de imediato aos tudólogos de turno - os que falam sobre tudo sem nada saberem de coisa nenhuma.

Vale a pena desmontar alguns destes mitos.

 

1. Os catalães querem recuperar a independência

Falso.

A Catalunha nunca foi um Estado independente. Integrou o Reino de Aragão até ao século XV, quando ocorreu a união dinástica através do casamento de Isabel a Católica, Rainha de Castela, com Fernando de Aragão.

 

2. Espanha é um Estado de formação recente

Falso.

A conquista de Granada aos mouros, em 1492, e a incorporação pacífica de Navarra, em 1516, deram ao Estado espanhol a sua configuração actual. Já com mais de 500 anos, Espanha é muito mais antiga, por exemplo, do que a Bélgica (existente desde 1830), Itália (1870) ou Alemanha (1871)

 

3. Portugal só é independente graças à Catalunha

Falso.

Portugal é um país independente há quase nove séculos. Já o era havia meio milénio quando recuperámos a plena soberania, em 1640, pondo fim ao domínio de seis décadas da coroa espanhola em Lisboa, coincidindo com a revolta catalã, iniciada semanas antes. Madrid enviou então tropas para a Catalunha, integrando aliás efectivos portugueses, mas manteve uma forte guarnição militar em Portugal - o que não impediu a vitoriosa rebelião dos conjurados e a rápida proclamação de D. João IV. Seguiu-se uma guerra fronteiriça que durou 28 anos e terminou muito depois de ter sido neutralizado o conflito catalão, em 1652.

 

4. A língua catalã é a dominante na Catalunha

Falso.

As estatísticas desmontam esta fantasia. O castelhano é a única língua verdadeiramente veicular na Catalunha - falada e entendida por 99% dos seus habitantes. É menor a influência do catalão, entendido por 90% e falado por 65% dos residentes.

 

5. A Catalunha tem sido explorada por Espanha

Falso.

A Catalunha é uma das parcelas mais ricas do Estado espanhol, com um PIB per capita equivalente a 28,5 mil dólares. Superando a riqueza de Aragão (26 mil dólares), Leão e Castela (22 mil), Galiza (21 mil), Valência (21 mil), Astúrias (20,9 mil) Andaluzia (17 mil) ou Extremadura (16 mil). E ultrapassando a média nacional espanhola, avaliada em 24,1 mil dólares - dados sempre de 2016. Por curiosidade, refira-se que Portugal tem um PIB per capita de 19,8 mil dólares.

 

6. A Catalunha não tem autonomia

Falso.

A Catalunha é uma das regiões não-independentes com mais poderes próprios no mundo - consagrados no Estatuto Autonómico de 2006. Tem bandeira própria, hino próprio, órgãos de governo (Executivo e Parlamento) próprios, sistema educativo e sistema sanitário próprios, forças de segurança próprias, órgãos judiciais autónomos, receitas tributárias autónomas e uma língua autóctone difundida sem restrições em todos os graus do ensino oficial.

 

7. Existe um povo catalão

Falso.

Não há nenhum carácter diferenciador, do ponto de vista étnico ou rácico ou religioso, que permita distinguir um catalão de qualquer outro habitante do resto de Espanha. A maioria dos apelidos dos habitantes da Catalunha é de origem castelana e ao longo dos séculos a população foi-se mesclando através de processos cíclicos de migrações internas, levando a Catalunha a absorver largos milhares de andaluzes, extremenhos, castelhanos, leoneses, asturianos, valencianos, galegos e gente oriunda das restantes parcelas do país. Aqui subscrevo, com a devida vénia, as sábias palavras do filósofo Fernando Savater: "Chamar povo ao conjunto dos cidadãos não é pecado, tal como não o é chamar corcel a um cavalo: são liberdades poéticas, de duvidosa retórica. Mas é ilusório acreditar que o corcel é mais do que um cavalo ou que o povo está acima dos cidadãos."

 

8. A democracia não chegou à Catalunha

Falso.

Os catalães foram chamados às urnas 35 vezes nos últimos 40 anos. Em três referendos, todos vinculativos: o de 1978, destinado a validar a Constituição (em que foi a região de Espanha com maior índice de aprovação à lei fundamental, favorecendo-a com 90% dos votos) e os estatutos autonómicos de 1979 e 2006. E em sucessivas eleições de carácter nacional, regional, municipal e local.

 

9. Os catalães não têm acesso aos órgãos do Estado

Falso.

Há representantes da Catalunha em todos os órgãos políticos que resultam de eleição no Estado espanhol: Câmara de Deputados e Senado, além do Parlamento Europeu. Dois dos sete constitucionalistas que redigiram a lei fundamental do país eram catalães - Miguel Roca e Jordi Solé Tura. Tal como o ex-presidente da Câmara dos Deputados Landelino Lavilla, que foi também ministro da Justiça e líder da União do Centro Democrático. Ao longo dos anos vários outros catalães têm-se distinguido no Governo nacional. Alguns exemplos: Narcis Serra, que foi vice-presidente do Governo socialista de Felipe González; Josep Borrell, que ascendeu à presidência do Parlamento Europeu após ter sido ministro e deputado em Madrid; Josep Piqué, titular da pasta dos Negócios Estrangeiros no governo conservador de José María Aznar; Carme Chacón, primeira espanhola a ocupar a pasta da Defesa, durante o executivo do PSOE liderado por Rodríguez Zapatero; ou Dolors Montserrat, actual ministra da Saúde.

2 comentários

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    Pedro Correia 20.12.2017

    Decálogo incompleto, para variar. É sempre bom deixar alguma coisa por dizer. Ou por escrever.
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