Catalunha: mitos e factos (1)
A "pós-verdade" alimentando a propaganda separatista na Catalunha
Nestes dias tenho ouvido e lido os maiores disparates sobre a Catalunha. Que os catalães só querem "recuperar a independência"´. Que eles são "um povo" e só a eles devemos o facto de Portugal ser um país soberano. Que a Espanha é um Estado de formação recente e não concede o autogoverno aos catalães nem os deixa usar a língua autóctone. Que a Catalunha tem sido "explorada" por Espanha e a democracia nunca lá chegou. Que nenhum catalão ocupou ou ocupa funções relevantes nos órgãos políticos espanhóis. Etc, etc.
Vivemos tempos de aldrabice elevada a notícia. Vivemos tempos em que a mentira tem a perna tão longa que deixou até de chamar-se mentira: agora chama-se "pós-verdade". Vivemos numa realidade paralela, em que ninguém se preocupa com o rigor dos factos. Prestamos culto ao dislate, travestido de sabedoria. Tornámo-nos incapazes de distinguir entre o discurso do sábio e o discurso do ignorante: todos se equivalem nas chamadas "redes sociais".
Nos últimos dias, a propósito do tema catalão, o delírio pseudo-informativo bateu todos os máximos estabelecidos. Chorou-se baba e ranho pela mulher a quem a bárbara polícia espanhola tinha "partido os dedos" e afinal soube-se que sofria apenas de uma inflamação numa das mãos. Rasgaram-se as vestes com a circulação da fotografia de uma criança sangrando da cabeça - que afinal tinha ocorrido em 2012, durante um protesto frente ao Corte Inglés de Tarragona reprimido pela polícia autonómica catalã. A imagem de um mineiro ferido num protesto em Madrid, também há cinco anos, foi agora também associada à suposta "repressão castelhana", o mesmo sucedendo com uma bastonada a um homem em cadeira de rodas: tratava-se de uma manifestação de 2011, quando os Mossos d' Esquadra catalães procuravam desalojar uma manifestação de "indignados" na Praça da Catalunha, em Barcelona.
Já para não falar da bandeira independentista desfraldada por magia do photoshop numa das imagens alegadamente icónicas da "revolução catalã" - tomada como verdadeira nas redes sociais afectas ao separatismo mais inflamado. Não faltou quem reclamasse o Pulitzer para premiar a fraude - o que revela até que ponto já nos tornámos incapazes de distinguir a verdade da mentira.
Alegada "repressão" em Barcelona: a imagem afinal era de 2011
Confesso-me antiquado: eu insisto em raciocinar com base em factos, não com base em mitos. Em relação à Catalunha, estou nos antípodas daqueles que só agora acordaram para esta questão e de imediato se juntaram aos ruidosos tudólogos de turno, que teimam em exibir a sua monumental ignorância sobre os mais diversos temas. Sobre este também.
E no entanto, apesar de tudo, vale a pena remar contra a maré. Lembrando factos e desmontando mitos. É o que tenciono fazer nos próximos dias aqui no DELITO DE OPINIÃO.
Leitura complementar:
Os vizinhos não se escolhem (DELITO, 11 de Novembro de 2014)
Catalunha: liberdade e lei (DELITO, 13 de Novembro de 2014)