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Delito de Opinião

Catalunha: liberdade e lei

Pedro Correia, 13.11.14

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Em regimes democráticos a liberdade é inseparável, no plano político, do estrito respeito da lei.

Neste aspecto convém sublinhar que a alegada “consulta popular” ocorrida domingo na Catalunha – contrariando uma determinação do Tribunal Constitucional espanhol – terá sido um acto de “libertação” para os nacionalistas catalães mas desrespeitou a democracia.

Segundo a Constituição de Espanha, o referendo é convocado pelo Rei, sob proposta do chefe do Governo e após expressa autorização parlamentar (art. 92º, 2). E “todos os espanhóis têm os mesmos direitos e deveres em qualquer parte do território do Estado” (art. 139º, 1).

 

Um referendo, para ser válido, exige o cumprimento da legalidade democrática. Algo que neste caso não sucedeu. Talvez valha a pena enumerar algumas das distorções mais evidentes:

- Ausência de cadernos eleitorais credíveis, validados por autoridades independentes.

- Concessão do direito de voto a um número mínimo de 800 mil estrangeiros e a cerca de 134 mil adolescentes (maiores de 16 anos), à revelia do que determina a legislação em vigor.

- Proibição do direito de voto a catalães residentes noutras parcelas de Espanha e a qualquer outro espanhol que pretendesse exercê-lo, impondo um critério de territorialidade que viola a letra e o espírito da Constituição.

- Ausência de campanha eleitoral com tempos de antena obrigatórios nos órgãos de informação para as diversas correntes em confronto.

- Nomeação de 45 mil “voluntários” nacionalistas para a “fiscalização” das assembleias de voto, sem a menor garantia de neutralidade política.

- Indefinição total sobre uma taxa de participação eleitoral mínima para a validação da consulta.

 

Organizar um “referendo” sem campanha eleitoral digna desse nome (só os nacionalistas puderam andar todo o tempo em campanha), sem escrutínio independente dos cadernos eleitorais e das assembleias de voto, alargando a capacidade de voto a cidadãos não abrangidos pela lei eleitoral e discriminando eleitores de origem catalã só por residirem noutras partes de Espanha: tudo isto fere de ilegitimidade democrática – e, portanto, de ilegitimidade política – a “consulta” nacionalista organizada na Catalunha.

Mas o maior acto de lesa-democracia, neste processo, ocorreu com o incumprimento da Constituição de 1978. Ao violarem a lei fundamental – discutível, como todas as leis, mas é a que vigora – os nacionalistas catalães revelaram uma insensatez nada correspondente à dos escoceses, que foram a votos em Setembro cumprindo escrupulosamente os mecanismos legais do Reino Unido.

 

Dir-se-ia que, na óptica nacionalista, a vitória política obtida nas “urnas” compensaria o desprezo pelos valores constitucionais na Catalunha.

Mas nem isso aconteceu.

Com efeito, dos 6,2 milhões de possíveis votantes, apenas 2,3 milhões compareceram na consulta (cerca de 35%). E, destes, só 1,8 milhões responderam “sim” às duas perguntas (nenhuma delas aludindo sem ambiguidades à ruptura política entre Catalunha e Espanha).

Ou seja, 29,6% do total.

Nada a ver com a taxa de participação eleitoral ocorrida num referendo a sério, como o que decidiu o destino da Escócia há dois meses: essa consulta contou com a adesão de 85% dos eleitores inscritos.

Nem nada que se confunda com a participação eleitoral noutro referendo, juridicamente válido, que também suscitou muito interesse noticioso: o do Quebeque, em 1995, registando 93,5% de afluência eleitoral.

 

Isto sem esquecer que muitos eleitores residentes na Catalunha recusaram participar na “consulta” de domingo precisamente por a considerarem ilegal, em consonância com a doutrina estabelecida pelo Tribunal Constitucional.

A voz destes cidadãos foi deliberadamente silenciada, mas não pode ser ignorada. E ninguém duvida que num referendo legal eles não deixariam de se exprimir pelo voto.

2 comentários

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    Pedro Correia 13.11.2014

    Tem tudo a ver, a Constituição portuguesa de 1933 e a espanhola de 1978...
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