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Delito de Opinião

Catalunha: Estado de Coisas

Diogo Noivo, 04.10.17

No passado domingo, Espanha pode ter perdido a Catalunha. O veredicto não tardará em chegar e, em boa medida, depende do que PP, PSOE e Ciudadanos sejam capazes de fazer juntos – aqui, “juntos” é a palavra determinante. Porém, há algo que já é certo sobre o passado domingo: na Catalunha, o Estado de Direito entrou em extinção.

 

O alegado referendo nasceu de uma chapelada ao estilo chavista no Parlamento catalão e cresceu pejado de ilegalidades. Como um mal nunca vem só, à falta de cobertura jurídica e de legitimidade democrática juntou-se a completa falta de rigor. Como demonstrado pelo canal de televisão La Sexta e pelo movimento Sociedad Civil Catalana, era possível à mesma pessoa votar várias vezes. Igualmente interessante, o teste realizado pelo jornal El Mundo mostrou que até os não catalães puderam colocar votos nas urnas. Em resumo, o nacionalismo catalão votou várias vezes e, pelo contrário, aqueles que se opõem à independência abstiveram-se para não validar algo que foi ilegítimo. Portanto, os resultados do referendo não valem o papel onde foram impressos os boletins de voto. O pouco que sobrava do primado da lei tem vindo a ser dinamitado pelo nacionalismo desde segunda-feira por gestos de um autoritarismo repugnante, como, por exemplo, a separação de crianças em escolas com base na opinião que umas e outras têm sobre a actuação da polícia.

 

O referendo foi uma burla sem paliativos e um atentado grave ao Estado de Direito Democrático. Mas reacção do Estado espanhol não foi melhor. Cometeu um erro político clamoroso: o de não compreender que neste nosso mundo de indignações fáceis, instantâneas e acríticas, a imagem de um mártir vale mais do que a razão mais sólida e fundamentada. Sabemos hoje que muitas das imagens de abuso policial são falsas. Poder-se-ia falar de “pós-verdade” se os autores da fraude fossem correligionários de Trump. Seja como for, a acção contundente da polícia, ainda que feita ao abrigo da lei, contribuiu para radicalizar ainda mais o ambiente político. Sobretudo, contribuiu para que o Governo espanhol tenha perdido a batalha mediática no estrangeiro.

 

Ontem, a intervenção de Felipe VI não surpreendeu. Quem compreenda o processo de transição democrática em Espanha, nomeadamente a elaboração e aprovação da Constituição e o sucedido no dia 23 de Fevereiro de 1981 perceberá que o texto constitucional é a fonte de legitimidade política (mais do que jurídica) da Monarquia. Este ou qualquer outro monarca espanhol não se afastará um milímetro do que é definido pela Constituição. Dado o estado actual de coisas, não é um mau princípio.

 

A radicalização em torno da Catalunha é de tal ordem que qualquer cedência será vista como uma capitulação. A margem de manobra é reduzida. Só uma acção conjunta dos principais partidos constitucionalistas, que são os que mais votos têm em Espanha, poderá trazer o rio de volta ao seu leito.

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