As canções da minha vida (3)
C'EST SI BON
1948
Algumas canções acompanham-nos vida fora, etapa após etapa. Estão presentes quando precisamos delas. Ajudam-nos a encarar a vida com doçura, a desvendar-lhe a face mais prazenteira e sorridente.
Acontece com esta, minha parceira de tantas manhãs inundadas de sol. Segue-me desde a adolescência: julgo que a escutei pela primeira vez no meu ano de caloiro no liceu. Vivíamos muito longe de Portugal, numa cidade do antigo império colonial, sem televisão, onde os bailaricos eram um dos divertimentos mais assíduos, com música ao vivo improvisada a partir dos acordes das orquestras de Paul Mauriat e James Last escutadas no leitor de cassetes – novidade absoluta à época.
Foi numa dessas cassetes, em versão instrumental, que ouvi pela primeira vez C’ Est Si Bon. Ainda sem saber que as célebres nove primeiras notas deste tema musical haviam surgido por inspiração do acaso ao compositor Henri Betti (1917-2005), quando passeava nas emblemáticas arcadas da sua Nice natal num dia do Verão de 1947. Pianista habituado a acompanhar Maurice Chevalier nos anos da ocupação nazi em França, Betti não tardou a completar a partitura, pedindo de seguida ao seu amigo André Hornez (1905-89), exímio escritor de canções, que lhe improvisasse uma letra.
Assim surgiu um dos mais famosos marcos da canção francesa, então no auge pelas vozes de Edith Piaf, Charles Trenet e do jovem Yves Montand, entre tantos outros. Foi precisamente a Montand que Betti e Hornez remeteram a canção, inicialmente destinada a ser incluída no seu novo repertório, numa série de espectáculos no parisiense Théâtre de l’ Étoile, a partir de Outubro desse ano. Mas o cantor preferiu guardá-la e foi ultrapassado por outro intérprete: a estreia de C’est Si Bon ocorreu a 18 de Janeiro de 1948 na rádio e um mês depois em registo discográfico, com 2 minutos e 40 segundos de duração, na voz do malogrado Jean Marco acompanhado pela popular orquestra de Jacques Hélian.
Começava a ser um sucesso quando Montand enfim a gravou, em Maio. E ficou para sempre associado ao tema, que deu várias voltas ao mundo em diversos idiomas – incluindo o inglês, gravado por Louis Armstrong com a orquestra de Sy Oliver, em Junho de 1950, e o português, interpretado pela brasileira Rita Lee, com letra de Roberto de Carvalho (1988).
Uma das versões mais famosas teve como intérprete Dean Martin, no seu álbum French Style, datado de 1962.
C’ Est Si Bon, um foxtrop sensual e festivo, perdura como símbolo musical daqueles trinta anos gloriosos da Europa que se ergueu das cinzas da guerra e se reinventou com uma energia digna de causar inveja ao mundo.
Tempos irrepetíveis, em que todos os sonhos prometiam tornar-se realidade e em que não faltava quem acreditasse que nunca mais guerra alguma voltaria a obscurecer os dias.
«C'est si bon / De partir n'importe ou, / Bras dessus, bras dessous, / En chantant des chansons. / C'est si bon / De se dir' des mots doux, / Des petits rien du tout / Mais qui en disent long.»