"Cancelamentos culturais" na América (7)
«Uma pintora "de pele branca" não está autorizada a mostrar alguém "não branco" nas suas telas. A exigência não saiu de um autocrata demencial nem de uma polícia com pendor totalitário: veio de outra pintora, em carta aberta subscrita por dezenas de signatários com pergaminhos intelectuais. Em Nova Iorque, que tem como símbolo a Estátua da Liberdade.
Foi em Março de 2017, durante a Bienal do Museu Whitney de Arte Americana. Acolhendo trabalhos de 63 artistas e colectivos artísticos - metade dos quais "racializados", segundo o novo esperanto politicamente correcto. Não era o caso de Dana Schutz, então com 40 anos: em 2016, esta pintora do Michigan concluíra um quadro a que chamou Caixão Aberto (Open Casket, no original). Versão abstracta de uma fotografia tristemente célebre - a do jovem negro Emmett Till, linchado em 1955, no Mississípi, aos 14 anos. No velório, a mãe do rapaz pediu que o esquife se mantivesse aberto e autorizou que fosse fotografado. "Para todos verem o que lhe fizeram", justificou.
Nada serviu de atenuante: ouviram-se apelos ao boicote da Bienal. "Ela não tem nada a dizer sobre a comunidade negra nem sobre os traumas dos negros", reagiu o pintor afro-americano Parker Bright. A artista britânica Hannah Black, negra também, foi mais longe: apelou sem reservas à "destruição da tela". (...) A carta teve 34 signatários - incluindo as pintoras Juliana Huxtable e Addie Wagenknecht, o crítico Mostafa Heddaya, a "influenciadora de arte" Kimberly Drew e a académica Christina Sharpe. Reivindicando a "remoção do quadro com a urgente sugestão de que seja destruído".»
Do meu livro TUDO É TABU (Guerra & Paz, 2024), pp. 55-56