"Cancelamentos culturais" na América (6)
«Acabou-se o estado de graça para Quentin Tarantino em Hollywood. O realizador antes celebrado pela sua criatividade iconoclasta passou a integrar o vasto leque de suspeitos - logo, culpados - de transgressão das boas normas. E até já se apela ao "cancelamento" (sem eufemismos, à anulação) do seu trabalho na indústria cinematográfica.
O mote foi dado em Julho de 2019 num artigo do The Guardian, sob um título bem expressivo: "O fim da relação: chegou a hora de cancelar Quentin Tarantino". O texto de abertura não deixava lugar a dúvidas: o realizador trata com "extrema violência as personagens femininas" de filme para filme. "Isto tem de acabar" - eis o veredicto.
Em Agosto de 2019 a revista Time deu-se ao incómodo de contabilizar as falas de todas as películas que ele realizou. Para concluir: "Os dados indicam claramente que os homens preenchem a maioria dos diálogos na obra de Tarantino. (...) Mesmo os filmes protagonizados por mulheres e com mais personagens femininas atribuem tendencialmente mais diálogos a homens: em Kill Bill Volume 2, por exemplo, os homens têm mais 17,5%; em Jackie Brown, sobe a uns espantosos 39,8%.»
Do meu livro TUDO É TABU (Guerra & Paz, 2024), pp. 91-92