"Cancelamentos culturais" na América (2)
«O terceiro disco que Patti Smith lançou (Easter, 1978) levou-a à fama, com temas como "Because the Night". Mas incluía outro que causou estranheza, logo pelo título: "Rock n'Roll Nigger". Por incluir uma palavra depreciativa ou até ultrajante, associada ao calão racista. A cantautora justificou esta opção por alargar o campo semântico de "nigger", equiparando-o a excluídos ou desfavorecidos de qualquer espécie. Ou a rebeldes com causa, vistos com desconfiança pela sociedade.
Em Outubro de 2022 "Rock n'Roll Nigger" desapareceu das plataformas musicais: eclipsou-se em simultâneo do Spotify, do Tidal, da Apple Music e da Amazon Music. Iam longe os tempos em que Patti Smith era enaltecida como "poetisa do punk", com aura revolucionária. E em que cantou para o Papa Francisco no Vaticano, mesmo sem ser católica. A questão não estava só no vocabulário. Seria um problema de "apropriação branca": um marginal de pele mais clara não pode identificar-se com características identitárias de grupos a que é alheio.»
Do meu livro TUDO É TABU (Guerra & Paz, 2024), pp. 171-172