Calúnias anónimas não merecem palco televisivo
Em televisão abundam boas intenções que se esvanecem ao serem postas em prática. Exemplo: o Polígrafo da SIC, em complemento ao Jornal da Noite de segunda-feira. Começou em 2018 num blogue dinamizado por um núcleo de jornalistas apostados em separar o trigo do joio nesta era de desinformação acelerada. O blogue assumia vocação de jornal digital, com merecida visibilidade no circuito mediático. Faltava-lhe viabilidade comercial, alcançada quando a SIC interveio com a sua poderosa marca, firmando-se a partir daí uma parceria consistente.
Como acontece em muitos percursos, também este foi sofrendo uma deriva. Parte do crivo analítico do Polígrafo foi-se desviando da monitorização do conteúdo dos órgãos de informação clássicos – jornais, rádio e televisão, além do material produzido pela agência noticiosa estatal – para dedicar cada vez mais tempo e ocupar cada vez mais espaço ao que é soltado nas chamadas redes sociais. Dir-se-ia que em obediência ao mote “tudo quanto vem à rede é peixe”.
Nada mais incorrecto. Boa parte das bacoradas que por aí circulam não merece sequer um segundo de análise ponderada, sob pena de invertermos prioridades e concedermos tempo de antena ao analfabetismo mais galopante, sob o rótulo da denúncia.
Um erro factual em manchete na chamada imprensa de referência, com assinatura reconhecida, não deve colocar-se em plano similar ao da contra-informação alarmista ou do discurso de ódio que circulam nas plataformas digitais. Nem às delirantes teorias da conspiração que se propagam na massa informe da Rede, com recurso a perfis falsos.
Falar nisso, em horário nobre de televisão, é conceder aos autores anónimos de tais dislates uma projecção que jamais sonharam. E é incentivar outros a surgir em cena. Produzindo um efeito inverso ao da intenção que se proclama.
Assim a atoarda torna-se notícia. Este é um pecado que o Polígrafo vem cometendo com insistência.
Se não fosse a publicidade que a rubrica de segunda-feira lhe faz, muitos telespectadores não saberiam que uns quantos imbecis sem rosto nem nome andam a insinuar nas tais redes ditas “sociais” que Carlos Moedas vai cumprir uma emblemática promessa eleitoral – acesso gratuito dos mais jovens e dos mais idosos aos transportes públicos em Lisboa – com recurso a receitas do Orçamento do Estado.
Entende-se mal que o Polígrafo dê palco a tal gente. Tal como aos anónimos que, com linguagem insultuosa, juram aos gritos que só alemães e dinamarqueses pagam impostos mais elevados que nós. Já para não falar nos trolls robotizados, talvez paridos em Moscovo, que cospem torpes insídias contra o Presidente da Ucrânia, herói da resistência às atrocidades russas.
Eis a demonstração prática de como uma ideia louvável pode ficar desvirtuada quando sofre uma alteração de rota. No caso concreto, causa danos reputacionais ao Polígrafo, tão óbvios quanto desnecessários.
Calúnia anónima é lixo, seja por que meio for. E deve ser ignorada. Não merece outro tratamento em caso algum.
Texto publicado no semanário Novo.