Cadernos de um enviado especial ao purgatório (52)
No momento em que Durão Barroso saía da Comissão Europeia foi duramente criticado nas colunas de opinião em Portugal, acusado de ter comprometido o projecto europeu e privilegiado os interesses dos grandes países. O novo presidente da comissão, Jean-Claude Juncker, conservador luxemburguês e profissional do aparelho comunitário, tem tido excelente imprensa e dizem que estará muito atento aos interesses nacionais e até, de alguma forma, preocupado connosco.
Alguns parecem acreditar que Barroso era mais nocivo para Portugal do que Juncker. Li textos de pessoas satisfeitas por Durão se ir embora e com esperança no bom trabalho do novo presidente. Nenhum desses autores explica como é que Portugal pode ter ganho influência. Os analistas parecem ter esquecido as negociações dos pacotes de subsídios europeus ou a forma como, nos tempos da troika, a comissão fazia sempre de polícia bom. Durante os dois mandatos de Barroso, os pequenos países viram diminuir a sua influência relativa, é um facto, mas isso não nos diz nada sobre o ex-presidente da comissão, embora seja sinal das mudanças que esta crise provocou na UE e, sobretudo, na zona euro.
A força económica da Alemanha, o desenvolvimento da união bancária e o rigor do Tratado Orçamental alteraram profundamente o equilíbrio de poder, retirando influência ao árbitro do sistema e privilegiando as equipas mais fortes. Embora de forma relutante, a Alemanha é agora a grande potência europeia e, quando se trata de dinheiro e cheques, como aconteceu durante toda a crise, os governos resolvem directamente o assunto, sem intermediários e sem ouvirem os países que não pagam as contas. No jargão comunitário, isto implica a supremacia do método intergovernamental sobre o método comunitário.
A desvalorização da comissão não é culpa da própria e, no entanto, há entre nós quem aposte na conversa de paróquia. Imaginam comentadores espanhóis todos contentes porque um luxemburguês substituiu um espanhol numa instituição europeia? Eu não consigo imaginar, sabendo que os espanhóis, neste campeonato, nunca foram anjinhos.