Cadernos de um enviado especial ao purgatório (48)
O mais certo é que Portugal não tenha emenda. Lemos blogues e jornais, vemos a TV, o clima é de pré-catástrofe. A elite decidiu a mudança de ciclo e nem tenciona esperar pela decisão popular. O governo confessa em público que não consegue transpor aqueles últimos metros de cortes na despesa, por isso não haverá diminuição de impostos. O País não consegue resolver os seus problemas crónicos de desequilíbrio das contas públicas, medíocre funcionamento das instituições e paralisia política seguida de homem-providencial. A oposição não se compromete, mas cada notícia é uma corporação a fazer uma exigência com despesa associada. Se os socialistas vencerem as próximas eleições, será difícil travar esta maré de bodo aos pobres.
A Grécia já está a patinar, provavelmente atira-se do penhasco lá para Fevereiro, a Irlanda saiu da crise, teve juízo suficiente para não embarcar em ilusões constitucionais e fez o que tinha de fazer, com pragmatismo e coragem. A Alemanha não paga nem um tostão das dívidas alheias e vai exigir aos seus parceiros (França, Itália) que façam as reformas que estabilizam a zona euro e sem as quais a moeda única não faz sentido.
Há pessoas que ainda não perceberam que Portugal não conta para este campeonato. Se for preciso deixar cair, deixa-se cair. Em texto anterior (tem um ano), usei a imagem da corda de alpinistas: quando o desequilíbrio de um homem, por acidental que seja, ameaça lançar toda a gente na queda, os de cima cortam a corda. Caminhamos alegremente para o segundo resgate, talvez em 2017 ou 18, mas pode dar-se o caso de, na próxima vez, não haver quem nos segure. Os cortes na despesa esgotaram-se (com a reposição de salários e pensões) e os limites constitucionais impedem a criação de um Estado sustentável, com nível de impostos adequado. Se atingiu o limite neste contexto político, não conseguindo equilibrar os seus orçamentos, o País perderá de novo o financiamento dos mercados. Este corolário, que já vivemos uma vez, continua a ser iludido da opinião pública, com a agravante de, a continuarmos na beata ignorância, todos os sacrifícios terem sido em vão.