Cadernos de um enviado especial ao purgatório (45)
No memorando de entendimento com a troika, que já nos parece do tempo da peste negra, eram exigidas reformas estruturais que os credores consideravam inadiáveis: justiça, leis laborais e redução das rendas excessivas nas PPP’s, medicamentos e energia. Ao contrário do mito, o governo da coligação nunca teve de proceder à reforma do Estado, pois nesse ponto o objectivo era mesmo cortar despesa e lançar as bases de uma reforma futura, o que aliás foi feito, com a redução de 10% no número de funcionários públicos.
O País embarca agora numa nova fase: a inversão do que foi realizado. As corporações venceram todos os ministros que tentaram mexer a sério nos seus sectores, porventura à excepção da saúde. No ano eleitoral, Portugal corre sério risco de embarcar numa ilusão. A coligação não quererá ser trucidada e o PS, que pode vencer as eleições, não tenciona enfrentar os erros do seu passado. Os novos partidos devem obter boas votações, mas isso implica que não haverá maiorias estáveis, excepto o bloco central, o grande derrotado.
O contexto europeu aconselhava prudência. Os alemães não estão dispostos a permitir uma união monetária com indisciplina orçamental. Os críticos do euro já assumem a oposição ao governo da chanceler Merkel, por isso qualquer suavização das metas orçamentais estará ligada a reformas estruturais compulsivas e duras. Italianos e franceses tentam sair do pântano em que se atolaram, terão de aprovar medidas impopulares, mas os governos reformistas têm apoio político frágil, sobretudo em França, onde o Presidente Hollande atingiu a mais baixa taxa de popularidade jamais registada para um chefe de Estado da V República.
Os responsáveis nacionais deviam concluir que os cortes na despesa terão de prosseguir após 2015. Caso haja renegociação das metas orçamentais do Tratado Orçamental, porventura a pequena folga com que todos sonham, a Comissão Europeia vai impor novas reformas, também impopulares. Por outro lado, se as corporações triunfarem, todos os sacrifícios terão sido em vão e Portugal começará a ser empurrado para fora do euro, o que aliás pode acontecer sem mais alterações, caso a Grécia vote no início do próximo ano e o Syriza vença. Nesse caso, Atenas tentará sair da zona euro, dando argumentos aos que defendem por cá o novo escudo e aos que na Alemanha querem o novo marco.