Cadernos de um enviado especial ao purgatório (40)
Em Portugal, o referendo pela independência na Escócia produziu análises diferentes das que encontramos na Imprensa internacional, que pareceu mais preocupada com as consequências da votação na vida dos escoceses e no futuro do Reino Unido. Por aqui choveram as críticas sobre a União Europeia, que estará à beira do colapso. Veja-se este texto de João Miranda, que coloca a questão ao contrário: os eleitores escoceses não votaram pela Escócia ou pelo Reino Unido, mas foram vulneráveis a um suposto interesse exterior. “A União Europeia tem interesse em enfraquecer os grandes Estados”, escreve o autor de Blasfémias, como se os Estados europeus que formam a UE tivessem algum interesse em enfraquecer-se a si próprios.
Neste texto no DN, Viriato Soromenho Marques compara a situação europeia ao império romano e à ex-Jugoslávia. As analogias históricas são sempre interessantes, mas não vejo como será possível usar estas duas. Roma era um império e a ex-Jugoslávia uma federação, a União Europeia não é uma coisa nem outra.
A Escócia pondera ou ponderou sair do Reino Unido, mas não se propõe sair da UE, pelo contrário, deseja permanecer (escrevo quando a votação terminou e o resultado ainda é desconhecido, mas o argumento funciona para os dois lados). A Catalunha quer sair de Espanha, mas não tem qualquer intenção de abandonar a União. O mesmo se pode dizer da Flandres e das outras regiões nacionalistas que em breve serão micro-Estados.
A fragmentação política na Europa está provavelmente no futuro, mas ligada à elevada sensação de segurança dos europeus. Os escoceses não sentem qualquer ameaça externa e acreditam que se podem tornar numa espécie de país escandinavo. Se houvesse uma ameaça, ninguém votaria a favor da separação. Dizer que o problema está na Europa parece ser uma conclusão contrária aos factos. É precisamente o oposto, ninguém quer perder o acesso a um mercado gigantesco e à livre circulação de bens e capitais. Isto também não é uma conspiração de Bruxelas contra o Estado-nação, pelo contrário, as nações europeias podem existir de muitas formas e existem também sob a forma União Europeia, que pertence aos Estados que a compõem.