Borgen: descubra as diferenças
Também eu ando a seguir Borgen com o maior interesse. Desde que me apaixonei por The Killing, a primeira série dinamarquesa da minha vida, que fiquei atenta ao que nos chega dessa proveniência, sobretudo se vier com o selo de garantia da produtora DR, que assina estes dois produtos de excelência.
The Killing transportava-nos pelos trilhos obscuros do crime, sem concessões ao que por deformação da excessiva exposição às séries americanas do género estabelecemos como norma: gente gira, muita acção, diálogos curtos e assertivos, heróis para nos seduzir e fidelizar. Em vez de fogo de artifício oferecia-nos uma aproximação à realidade que nos colava à cadeira.
Borgen, que é sobre política, seduz-nos também por esse realismo, suportado como em The Killing por interpretações excepcionais. Não vou adiantar-me mais sobre a série, pois no Delito já foi enaltecida mais que uma vez. Se volto ao assunto é porque a surpresa de ver, de episódio para episódio, expostas situações entre políticos, jornalistas e assessores que nos são familiares me levou a procurar as diferenças. Entre a Dinamarca, que está permanentemente no topo do ranking dos países com melhor qualidade de vida, e Portugal afinal só pode haver diferenças.
Através de Borgen, as que melhor se observam passam ao lado da trama política. Um contraste que salta à vista é o estilo de vida da protagonista, mãe de dois filhos menores e que no início da série ainda vemos casada. Apesar de ser primeira-ministra e mulher de um professor universitário, a sua vida familiar decorre dentro de padrões que entre nós só são expectáveis numa vulgar família de classe média. O casal não tem empregada e divide entre si as tarefas domésticas. Não há mordomias, nem luxos, é tudo muito frugal.
Já se sabia que na escandinávia até se vêem ministros a ir para o trabalho de bicicleta. A cultura é outra. Os governantes consideram-se a si próprios funcionários públicos e são legalmente tratados como tal, mas Borgen despertou-me a curiosidade. Uma pesquisa levou-me a um estudo comparativo da autoria do jornalista Gustavo Sampaio, publicado no seu livro "Os Privilegiados". Uma pesquisa que revela até que ponto é falacioso o argumento de que os políticos em Portugal são mal pagos e têm uma vida dura. Ora tomem nota:
Na Dinamarca os membros do parlamento são obrigados a receber um vencimento base, acrescido de ajudas de custo pelas funções que desempenham (cá, os políticos podem optar entre as pensões que recebiam e o vencimento, como fizeram Cavaco Silva e Assunção Esteves).
O vencimento base de um membro do parlamento dinamarquês é de 600 998 coroas dinamarquesas/ ano (cerca de 80 605€). Repartido pelos 12 meses corresponde a cerca de 6717€/ mês, mais do dobro do vencimento base de um deputado português em regime de exclusividade (3271, 32€/ mês). Porém, os deputados portugueses recebem subsídio de Natal e de férias e a carga fiscal dinamarquesa é mais elevada (em 2012 a taxa máxima era de 56,6%, enquanto que em Portugal foi de 49%).
Na Dinamarca os abonos suplementares limitam-se a uma verba destinada a ajudas de custo: 665,54€/ mês, livres de impostos. Em Portugal há ajudas de custo para os deputados que residem fora da Grande Lisboa (69,19€/dia). Nos casos mais extremos as ajudas de custo podem ultrapassar os 2000€/mês, ao que se acrescentam as despesas de representação (que não estão previstas na Dinamarca). Um deputado português, em regime de exclusividade aufere 334,24€/mês em despesas de representação, mas a verba pode ser maior conforme os cargos que exerce.
Ao contrário dos dinamarqueses, os deputados portugueses têm direito a ser compensados pelas despesas de transporte, que são pagas ao Km. Na Dinamarca os membros do parlamento recebem passes para transportes públicos.
Descontados os impostos e somados os valores das ajudas de custo, os deputados dinamarqueses auferem entre 3500€ e os 4500€. A remuneração dos deputados portugueses depende de mais variáveis, mas um deputado em regime de exclusividade que resida fora da Grande Lisboa poderá receber 5534,58€ ilíquidos/mês, não muito menos que o rendimento ilíquido dos dinamarqueses: 7382,69€/mês. Em termos líquidos, a diferença é ainda menor, devido à carga fiscal na Dinamarca ser mais elevada.
The last but not the least: Os ex-políticos dinamarqueses não têm direito a pensões suplementares nem a reformas antecipadas, nem à contagem de anos a dobrar para efeitos de aposentação. Reformam-se como toda a gente aos 65 anos e têm os mesmos benefícios que qualquer outro funcionário público. Na Dinamarca também não existem subvenções vitalícias.
Tal como em Portugal, os deputados dinamarqueses podem acumular as suas funções com outras actividades remuneradas, só que isso não acontece muito, porque em regra não têm tempo. Quanto a ex-ministros integrarem conselhos de administração de empresas de sectores que tutelaram enquanto governantes está fora de questão, embora não haja lei que o impeça.
Pois, não é preciso escavar muito para descobrir as diferenças.