Beleza
Ao domingo, de manhã cedo, pouca gente anda no metro, de modo que na carruagem onde ela gritava não estavam mais de trinta pessoas. Uma pequena plateia para uma grande actriz. Parecia um anjo de Botticelli. Com a pele rosada e as bochechas a estourar no rosto rechonchudo emoldurado por caracóis dourados, fascinava-nos como sempre nos fascina a perfeição estética.
Não deveria ter mais de três anos, no entanto já dominava com desenvoltura o palco. Num choro convulsivo sem lágrimas, aquela boneca eriçada exigia a lua: "Eu quero que me compres uma coisa, já!" A atitude abnegada da sua interlocutora indicava-nos uma posição subalterna. "Eu quero que me compres uma coisa!" E os olhitos experientes varriam-nos sem nos fixar, só para colher o efeito.
Sentada ao lado, a irmã mais velha chuchava no dedo, cosida ao banco. Já não tinha idade para fazer aquilo. De olhos no chão escondia-se atrás da cortina de cabelos que lhe caía sobre o rosto bonito mas vulgar.
Em vão, a empregada pedia à pequena déspota para se acalmar, prometendo-lhe mil coisas assim que chegassem a casa. Calou-se por momentos quando saíram, mas logo no cais recomeçou a gritaria: "Então eu quero a minha almofada! Eu quero a minha almofada, já!"
Fiquei a imaginá-la daqui a muitos anos, quando já for uma mulher. Será que alguma vez vai aprender a suportar tanta beleza?


