Ba e os outros
Ao invés de muita gente cada vez mais gosto do Dr. Ba (líder da secção do BE chamada SOS Racismo). Digo-o sem ironia (ou sarcasmo): é um tipo atrevido, e isso é de louvar (ainda para mais no país do respeitinho). Imigrante, oriundo de África (não sei se já é português, mas isso para o caso é irrelevante) atreve-se a botar o que pensa, não se coíbe. Muito saúdo isso. Discordo do que o homem pensa? Pelo que vou lendo vou discordando, mas isso nem é importante. O que é relevante são dois corolários que retiro do que dele vou lendo:
1) O dr. Ba, tornado "figura pública", deslumbrou-se, pois está há tempo demais perto do poder (trabalha na AR; é sufragado pelo poder mediático lisboeta - o eixo socratista, perene, exemplificado pelo bloco ex-blog Jugular/painel Eixo do Mal). Como qualquer indivíduo ("sem distinção alguma, nomeadamente de raça, de cor, de sexo, de língua, de religião, de opinião política ou outra, de origem nacional ou social, de fortuna, de nascimento ou de qualquer outra situação"), ao deslumbrar-se borrega.
Este breve texto, algo alarmista mas talvez não totalmente infundado, é mais do que exemplo de despiste pessoal. Mas também do ambiente geral entre os "beaux esprits" lisboetas. Em Portugal já se é olhado com rancor ao dizer-se "preto" e mesmo "negro"; os mais patetas dos patetas já se ufanam ao escrever Car@s ou Prezad@s, e pessoas medianamente inteligentes até lhes respondem; termos como "mariquice" ou "prostituta" são vetados; é-se apupado se se trata uma conviva por "querida" (de facto quer dizer "quero-te", é um bocadinho exagerado assim dito em público, temos que convir ...); e agora importou-se o termo "mansplaining" para invectivar a simpática complacência com a parvoíce, quando esta emanada por uma mulher: ou seja, pode-se ser condescendente com um estúpido mas não com uma estúpida, o que não deixa de ser uma discriminação. E neste ambiente geral, cioso da correcção, o dr. Ba avança, atrevido como já disse, e chama-nos "tugas". Termo que, como sabe qualquer tipo que já tenha saído das ruas da Atalaia e da Rosa, anos 1980s, é amplamente pejorativo. Mas, como é o Ba, fica bem.
Mais notório ainda é a bojarda sobre os ucranianos. O dr. Ba celebrizou-se por defender imigrantes ou descendentes de imigrantes de origem africana. Meto as mãos no fogo que os adeptos da selecção ucraniana que foram ao jogo terão sido, na sua maioria, os imigrantes daquele país que ficaram em Portugal. Para o dr. Ba, paladino de determinadas "comunidades" imigradas, os imigrados com diferentes origens são generalizáveis, discriminalizáveis, invectiváveis (nazis, pronto). Este afrontar entre imigrantes de diferentes origens é típico, tradicional (olhem eu aqui na Bélgica a poder comprovar isso). Ou seja, Ba não só reproduz o eixo Bloco/PS Bairro Alto na sua recente invectiva aos imigrantes brasileiros, como reproduz a velha rivalidade sociológica entre os imigrantes de diferentes origens. Ba é um eco da história, e é um eco das suas limitações pessoais? Como todos nós o somos. Mas é também um eco da mediocridade hipócrita "lisboeta" - e isso já é uma opção pessoal. Será o tal deslumbramento, talvez. Mas é mais do que isso, é uma reaccionária mundividência, ignorante e ... atrevida.
2) O outro corolário é mais curto: tem alguma "piada" (de facto é tétrico) ver como um meio que vive do seu capital cultural, profissionais intelectuais com formação em ciências sociais (sociologia, antropologia, estudos culturais, coisas mais humanísticas), não só é permeável a este tipo de elaborações medíocres como as defende e ecoa. Refutar Ba e seus apoiantes e/ou paladinos convoca invectivas oriundas desse meio socioprofissional: somos logo ditos "lusotropicalistas" (entenda-se, salazaristas, fascistas) ou, num ou outro de intelecto mais refinado, "universalistas neo-liberais" (ou seja, o mesmo).
Há algum tempo li umas citações de textos de Ba: defende para os "nossos bairros" ("deles", presumo. Ou então "todos", se pensar como um "universalista neo-liberal") algo definível como "sovietes de bairro", policiamento comunitário, vistorias, etc. Aquilo que em Moçambique ficou conhecido por "grupos dinamizadores", sem tirar nem por. O que me é notório é ver como (principalmente) antropólogos - alguns dos quais minhas ligações-FB, ainda que o Algoritmo nos aparte - que viveram e/ou trabalharam em Moçambique muito são críticos da I República (onde aqueles vigoraram, no seu início). Muito mais críticos do que eu (que sou um dos tais torpes fascistas, neo-liberais, lusotropicalistas). Mas depois deliciam-se com esta conversa, ombreiam, defendem. Querem-no para o país. E até o escrevem. Isto seria risível. Se não fosse abjecto. "Mil vezes antes o dr. Ba do que estes doutores", afianço. A minha sorte é que não os encontro em Schaerbeek.
Adenda: O muito útil Polígrafo alerta para o facto do texto de Ba ter sido manipulado, tendo-lhe sido malevolamente amputada a referência a "skinheads" ("ucranianos e tugas"), potenciando o tom generalizador. Seja, lamentável que aconteça isto. Que efeitos sobre o postal? Nenhuns. O dr. Ba, a propósito de um jogo de futebol com uma equipa ucraniana convoca a ideia de "cabeças rapadas nazis" ucranianos e tugas. Fá-lo em todos os jogos de futebol? Não, apenas aqui diante da presença desse tipo de estrangeiros, promove uma generalização (abusiva, discriminatória) originada em campanhas russas anti-ucranianas (como Milhazes nos lembra) - mostrando que o vínculo moral dos simpatizantes do PCP com a autocracia russa actual também se alarga do BE. Quanto aos nacionais tudo na mesma, já éramos e continuamos "tugas".