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Delito de Opinião

Austeridade na Rússia leninista (1/2): liberalização da economia, cancelamento de obras públicas, despedimentos

José António Abreu, 17.12.15

A política e a economia encontravam-se profundamente ligadas. A crise de confiança provocada pela revolta de Kronstadt contribuiu sem dúvida para a aceitação relativamente fácil pelo congresso de importantes cedências económicas. O cerne da mudança foi a abolição das requisições e a sua substituição por um imposto em géneros. Este imposto permaneceu em vigor até 1924, quando, em resultado da estabilização da moeda, foi substituído por um imposto em dinheiro. A medida parece bastante simples, mas as suas consequências foram importantes. Significava que os camponeses podiam vender os seus excedentes, e implicava a legalização do comércio e dos comerciantes, grupo social contra o qual os bolcheviques sentiam grande animosidade. Lenine, em particular, temia a influência corruptora do pequeno comerciante mais ainda do que a do capitalista. Não admira pois que os bolcheviques tivessem aprovado as reformas com grandes reservas e receios. No entanto, a crise era tão grave que não tinham outra alternativa.

A substituição da requisição por um imposto foi acompanhada de outras reformas que desmantelaram o sistema económico do comunismo de guerra e introduziram uma nova ordem. Em Maio de 1921, o governo revogou a lei que nacionalizara todos os ramos da indústria. O sistema económico que sucedeu ao comunismo de guerra pode ser descrito como uma economia mista. Os particulares tinham autorização para constituir pequenas empresas ou tomá-las de arrendamento ao Estado. O governo, porém, continuava a controlar o que se chamava na altura os «altos comandos», isto é, as altas empresas, a indústria mineira, a banca e o comércio externo.

Em última análise, a NEP tornou possível a reconstrução. Contudo, a maior liberalização não podia acabar imediatamente com a crise. Em 1920 e 1921 algumas das regiões mais férteis do país foram atingidas pela seca. O desastre natural e a desordem artificial conduziram à fome generalizada, sobretudo na região do Volga. Milhões de pessoas morreram de fome e outros milhões correram grandes riscos. Debilitadas pela fome, as pessoas sucumbiram às epidemias. Mais pessoas morreram nestes anos terríveis do que na Primeira Guerra Mundial, na revolução e na guerra civil. Sem a assistência em grande escala organizada pelos Americanos, muitos mais teriam morrido.

Os bolcheviques debateram-se com constantes faltas de alimentos e de combustíveis. O regresso a princípios de economia mais ou menos ortodoxos foi difícil, e a recuperação penosamente lenta. Para poupar dinheiro o governo foi obrigado a cancelar vários projectos que havia fomentado por razões ideológicas. Sob a economia de guerra, as fábricas tinham funcionado sem olhar a custos, mas agora as empresas do governo tinham de fazer lucro. Num esforço para estabilizar a moeda, foi introduzido o cálculo do custo de produção, o que entre outras coisas implicava despedir trabalhadores.

Peter Kenez, História da União Soviética. Edições 70 (2007), pp. 71 e 72. Tradução de Jaime Araújo.

 

Evidentemente, «austeridade» é exagero meu. Todos sabemos que tal coisa resulta sempre de (ilógica) opção ideológica, jamais de necessidade.

2 comentários

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    Costa 19.12.2015

    Post é, desde logo, creio, no contexto em que estamos, a palavra inglesa em regra empregue para designar os textos apresentados nos blogues. Sem dúvida que "artigo" ou "verbete" poderão - diria o meu caro: deverão - perfeitamente ser aplicados.

    Post ", todavia, parece ser de uso generalizado (de novo: neste contexto e atendendo ao carácter informal, suponho, com que aqui trocamos impressões) e, com o cuidado de aplicar o termo entre aspas, assinalando assim expressamente o uso de palavra estrangeira, e sem incorrer no disparate de inventar por exemplo verbos ou tempos verbais (eu, bem vê, não "posto" nem digo que fulano "postou"), não me parece despropositado o seu uso.

    Sou leitor diário dos textos de Bic Laranja e admirador de muito do que escreve. Desde logo da exemplar - exemplarmente fundamentada - demonstração do absurdo do AO9O . Dele me afasto, um afastamento absolutamente pacífico, cordato, em outros assuntos. Não tomo, por exemplo, o que venha do estrangeiro como um necessário barbarismo, nem vejo como intocavelmente boa toda e qualquer prática, tradição ou norma portuguesa, apenas por sê-lo (e aqui tenho a presunção de ser acompanhado por B. L., será uma diferença de grau).

    Submissão ao estrangeiro, concordará, existe (também existe) e de que maneira nos defensores do AO90. Não em quem, no humilde limite das suas faculdades e sem formação como filólogo, procura cultivar a sua língua-mãe sem, dentro do bom senso, fechar as portas ao mundo.

    Quanto ao sr . Casteleiro, tudo o que dele se disser, perante a dimensão do desastre, será sempre pouco.

    Costa
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